Manuel Abranches de Soveral

 

 

 

Casa da Trofa

origens

armas

1º senhor

2º senhor

3º senhor

4º senhor

5º senhor

6º senhor

7º senhor

8º senhor

9º senhor

10º senhor

descendência

sangue real

representação

análise

bibliografia

 

Breve análise historiográfica


Os senhores da Trofa pertenceram indubitavelmente à chamada principal ou primeira nobreza do reino, restrito grupo que desde o séc XV até ao séc. XVII ocupava o topo da fidalguia portuguesa e no qual se incluíam as cerca de 20 casas titulares então existentes, os donatários de juro e herdade com jurisdição, os alcaides-mores e os dignatários com carta de Conselho.

Como salienta Nuno Gonçalo Freitas Monteiro na sua obra «O Crepúsculo dos Grandes (1750-1832)», INCM 1998, só estes podiam constituir o braço da nobreza nas cortes e eram daquela forma tratados. A partir de 1600, com a monarquia dual, a par de um enorme aumento do número de casas titulares, iniciou-se de forma difusa a introdução em Portugal do conceito espanhol de grande do reino, que criava, entre a nobreza principal, um grupo de topo ainda mais restrito. Mas só no reinado de D. João V, com a lei de 1739, se consagra e delimita esse conceito de grande do reino (de que se excluem os títulos de visconde e barão), ao mesmo tempo que se assiste a um novo surto na criação de títulos.

De uma forma geral, pode considerar-se esmagadora a tendência da passagem dos senhorios de juro e herdade com jurisdição a títulos com grandeza, se bem que alguns dos mais antigos, como é o caso das linhas-chefe dos Cunha e dos Mello, só muito tardiamente o tenham conseguido.

Quis o acaso que os Lemos da Trofa não seguissem esse destino. Para o referido autor, os senhores da Trofa, a par dos senhores de Felgueiras e Vieira e dos senhores da Abadim, são um dos poucos exemplos de «antigas casas de donatários que nunca se conseguiram integrar na nobreza de corte e acabaram por perder os senhorios, ou então, mantendo-os, por mergulhar na obscuridade da vida provincial, afastadas das mercês da coroa». Mas será isto verdade? E em que medida? Vejamos.

Não podem restar dúvidas de que até ao reinado dos Habsburgo a Casa da Trofa estava bem integrada na primeira nobreza. E convém aqui lembrar que o senhorio da Trofa se iniciara em 1449, na pessoa de um filho segundo da Casa de Góis (senhorio anterior à nacionalidade, doado por D. Tereza em 1110) e Oliveira do conde (senhorio doado em 1386). E que o 1º senhor da Trofa foi também 5º senhor de juro e herdade de Jales e Alfarela, bem assim como senhor da honra e quintã de Silva, tudo em sucessão de sua sogra D. Maria Coelho, que em 1413 recebera estes senhorios de seu pai Lopo Dias de Azevedo, senhor de S. João de Rei, Terras do Bouro, Aguiar de Pena, etc., que os recebera em 1384 em sucessão a seu sogro Aires Gomes da Silva, alferes-mor e aio de D. Fernando, que já neles havia sucedido a seu filho. A Casa da Trofa tinha ainda as comendas hereditárias de Castelanejo (mais antiga), de Cambra e de Ventosa, a maior parte dos seus senhores teve carta de Concelho e todos, primeiro o título de vassalo e depois o foro e privilégio de fidalgo, e o hábito de Cristo. Alguns exerceram importantes cargos, como é o caso patente do 3º senhor, que foi capitão-mor do Mar da Índia, o mais importante a seguir ao de vice-rei.

Em 1580, no início da monarquia dual, vivia o 5º senhor Duarte de Lemos. Além das cinco donatarias da sua Casa, tinha as referidas três comendas, carta de Conselho, hábito de Cristo, foro de moço-fidalgo, etc. Acontece, porém, que Duarte de Lemos e toda a sua Casa foram ferozes opositores de D. Filipe I, que combateram em armas. Como seu fronteiro e capitão-general da comarca de Aveiro, o 5º senhor da Trofa foi dos principais, senão o principal, braço-direito do prior do Crato e responsável pela sua aclamação. Pôs a Beira a ferro e fogo contra os Habsburgo e, quando foi finalmente preso, só se safou do cadafalso justamente pelo muito prestígio que a sua Casa gozava.

Foi, no entanto, exilado nos seus domínios, e este exílio transmitiu-o aos filhos e netos enquanto durou a monarquia dual. Mal se entenderia, portanto, que a Casa da Trofa pudesse participar no surto de novos títulos concedidos pelos Habsburgo. Nem estes lhos dariam nem aqueles os aceitavam... Embora não ocorresse a D. Filipe II, mais uma vez certamente devido ao prestígio da Casa, não confirmar em 1617 o 6º Sr. da Trofa em todos os seus senhorios e mais bens da coroa. Pode assim dizer-se que nesta fase a Casa da Trofa não «mergulhou na obscuridade da vida provincial». Foi exilada política e preferiu manter-se como uma chama ardente do patriotismo a acorrer às benesses do Príncipe.

Com a Restauração e as guerras peninsulares, os Senhores da Trofa estariam aparentemente em situação excelente para voltar à roda da corte. Aconteceu, porém, que o filho sucessor do 5º senhor da Trofa tinha falecido sem geração em 1615, dois anos antes de seu pai, pelo que lhe sucedeu um irmão mais novo que vivia pacatamente na sua grande Casa do Patim, na cidade do Porto, donde não saiu. Em 1640 era já velho e sem geração do seu casamento. Tinha, no entanto, um filho e duas filhas naturais, havidos em solteiro na mesma mulher, da pequena nobreza de província, com quem acabaria por casar em 1646, pouco antes de morrer, para assim legitimar os filhos, já então adultos. Mas o único varão era padre jesuíta, pelo que pouco pode fazer para brilhar na guerra, os únicos feitos que D. João IV levou em conta para conceder os pouquíssimos títulos dados no seu reinado.

Esta inesperada sucessão veio, no entanto, demonstrar mais uma vez não só o prestígio da Casa da Trofa como o facto de não estar esquecido o que tinha feito contra a Monarquia dual e o que sofrera por isso. Com efeito, logo o duque de Aveiro, useiro nas andanças da corte, procurou tirar vantagem do facto de o único sucessor ser padre e pediu ao rei que lhe concedesse a ele os senhorios da Casa da Trofa que estavam nas suas terras. D. João IV, contudo, recusou liminarmente a pretensão do duque, e fez o que pôde para manter a Casa da Trofa: autorizou que o sucessor abandonasse a vida religiosa, confirmou-o em todos os senhorios e direitos (1652), e deu-lhe uma comenda e uma pensão de 20.000 réis para casar, o que ele efectivamente fez com a filha herdeira dos poderosos morgados do Botão. No entanto, sem geração. Acabando-se assim, com o seu falecimento em 1698, não só a antiquíssima varonia dos Lemos como os senhorios, que pela lei Mental deviam voltar para a coroa.

Mas, mais uma vez, os Bragança fizeram o que puderam pela Casa da Trofa. Reinava então D. Pedro II, tão avaro como o pai na concessão de títulos, que imediatamente, em 1699, confirmou na sucessão de toda a Casa da Trofa, com seus senhorios e direitos, um sobrinho materno do último senhor, primeiro por duas vidas e depois de juro e herdade.

Passa então a Casa de Trofa a ter outra varonia, se bem que ilustre: a dos Vasconcellos, da antiga Casa de Soalhães. O pai do 8º senhor da Trofa pertencia a uma família fidalga e poderosa, e ele próprio administrava dois ricos morgadios, tinha uma comenda hereditária e vários padroados. Era neto paterno e sucessor do poderoso, rico e feroz Doutor Cristóvão Mendes de Carvalho e Vasconcellos, que fora chanceler-mor do reino, desembargador do Paço e corregedor-mor da Beira, e que fundara a suas custas, para desconto dos seus pecados, o mosteiro das Religiosas de S. Francisco do Campo de Coimbra e o hospital de Tentúgal.

O 8º senhor da Trofa casou ainda numa das principais famílias da antiga fidalguia medieval, os Souza de Menezes e Noronha, várias vezes descendente da Casa Real e predominante na Beira e no Minho, sendo a noiva filha do corregedor-mor da Beira, mestre de campo e superintendente da Cavalaria da comarca de Aveiro, e sobrinha paterna do capitão-mor e governador de Aveiro, cargos que igualmente ocupara seu avô paterno, que era trineto e representante do 3º vice-rei da Índia D. Garcia de Noronha e aparentado com a principal nobreza do reino.

Mas o favor real não se ficou pela confirmação na sucessão da Casa da Trofa. Ao 8º senhor da Trofa, ainda em vida de seu tio, foi confirmado o foro de moço-fidalgo com a invulgarmente alta moradia de 100 mil réis. E já era, quando sucedeu, mestre de campo dos Auxiliares de Aveiro. Pode assim dizer-se que, apesar do percalço, a Casa da Trofa iniciava com os Bragança a recuperação do exílio e do prejuízo que a Monarquia dual lhes causara. Embora, por feitio que a pequena história da Casa bem revela, a família se mantivesse demasiado soberba e muito avessa à verdadeira escravatura dourada a que a Nobreza da corte se estava então paulatinamente a submeter.

Contudo, se bem que os senhores da Trofa claramente preferissem a vida de senhor feudal nas suas terras e áreas de influência, não deixaram de manter, sobretudo por casamento, as necessárias ligações à corte. O 9º senhor (1705), que à sucessão de seus pais acrescentou, por sua mulher, a alcaidaria-mor de Portalegre e uma considerável fortuna, tinha casado com uma prima-direita, filha herdeira de um ministro, conselheiro da Fazenda e provedor da Casa da Índia, e neta paterna de outro ministro, chanceler-mor, embaixador, do Conselho de D. João IV, etc. E, apesar de continuar nos seus domínios, sendo capitão-mor de Aveiro e superintendente das Caudelarias da comarca, o 9º senhor da Trofa deu o primeiro passo para o título e a grandeza, cuja lei de 1739 acabara de regulamentar: mandou construir, com apoio do sogro, um grande palácio em Lisboa, na calçada da Graça... Onde, contudo, raramente poisava. E foi esta aversão a Lisboa e à ostentação necessária aos grandes do reino, que no espaço de um século levou a maior parte deles à ruína, que o terá afastado do título.

Mas a aproximação à corte e à grandeza (só então legislada) continuava, numa ascensão claramente contraditória com o tal «mergulho na obscuridade da vida provincial». E pode dizer-se que o 10º senhor da Trofa (1757) deu os restantes passos necessários ao título e à grandeza, que só por fatalidade do destino não alcançou imediatamente, ao falecer sem geração, em 1780, o que conduziu à extinção da Casa e à interrupção do seu curso natural.

Na verdade, o 10º senhor da Trofa, além de senhor da vila da Trofa, seu termo e padroado, e do rio Vouga numa extensão de 35 quilómetros, era 10º senhor de juro e herdade da vila de Pampilhosa e de Álvaro, assim como 15º senhor de juro e herdade da vila de Jales e da freguesia de Alfarela. A estes bens e rendimentos da coroa acrescentava a alcaidaria-mor de Portalegre (1757), três comendas e o foro da moço-fidalgo com moradia de 100.000 reais (1735). Mas estes eram apenas uma pequena parcela dos seus rendimentos, em que se incluíam ainda muitos bens de raiz e outros direitos, desde a honra e quintã de Silva, solar alto-medievo desta nobilíssima família, aos ricos morgadios de Lamarosa e Vila Maior, aos padroados de Stª Clara de Trancoso, S. Francisco de Coimbra e hospital de Tentúgal, à casa do Patim (Porto), ao grande palácio da calçada da Graça (Lisboa), aos muitos bens de raiz na Trofa e um pouco por toda a Beira, etc.

Descendente da Casa Real por inúmeros lados, possuía também a fortuna suficiente para suportar as despesas de ostentação necessárias a um grande do reino. De resto, casou em casas de grandes do reino: a 1ª vez em 1748 com uma irmã do 19º senhor de Tábua, feito 1º conde da Cunha e grande do reino em 1760, e a segunda vez em 1778 com uma neta paterna dos 3ºs viscondes de Asseca, Casa que tinha sido elevada a grande do reino em 1753. Tivesse tido um filho de qualquer destes matrimónios, e certamente veríamos esse herdeiro feito conde ou marquês da Trofa e grande do reino. E para fundamentar esta virtualidade (porque o virtual também interessa à historiografia), não é preciso ir mais longe: um primo-direito (neto dos 8ºs senhores da Trofa) e cunhado (porque casou com uma irmã da sua referida 2ª mulher) do 10º e último senhor. da Trofa, que não tinha donataria e só a obteve em 1790, foi pai do 1º marquês (1848) e 1º conde (1835) de Terena e avô paterno do 1º visconde com grandeza (1840) e 1º conde (1852) de Bertiandos.

Com a morte do 10º senhor da Trofa, os senhorios e direitos de juro e herdade voltaram à coroa e os bens de raiz foram distribuídos pelos sobrinhos. É verdade que o 10º senhor da Trofa tinha um irmão, comendador de Malta, tenente-coronel de Cavalaria, com o foro de moço-fidalgo (1735), mas que tinha já falecido solteiro, deixando apenas uma filha legitimada. Mesmo com este defeito, foi essa filha, D. Isabel de Lemos,  que veio a ser finalmente condessa e grande do reino. Casou com um seu primo-direito, filho da irmã mais velha do 10º senhor a Trofa e sucessor nos seus bens vinculados, tendo assim o casal a representação genealógica da Casa da Trofa e os seus morgadios. Este seu primo chamou-se Manuel de Roxas de Lemos de Carvalho e Vasconcellos e por sua mulher chegou a ter parte da Casa da Trofa, pois a 13.7.1803 teve carta de sentença por que se julgou pertencerem-lhe as terras da Trofa e Castrovães (RGM, RC, 1, 16v), a 9.7.1803 teve carta de confirmação da doação do padroado da igreja de Trofa (RGM, RC, 1, 16) e a 4.6.1803 teve confirmação do foral dado ao concelho e vila de Trofa (RGM, RC, 1, 15), sendo ainda fidalgo da Casa Real, 7º morgado de de Lamarosa e, por seu pai, morgado de Bustelo e Adães.
 

Mas cedo D. Isabel de Lemos ficou viúva, casando a segunda vez em 1806 com um açoriano, ministro do reino, que veio a ser o 1º conde de Subserra (1823), elevação a que certamente não estava alheia a qualidade da mulher. E o facto é que, dado que deste segundo casamento não houve geração, sucedeu no título a filha do 1º casamento, D. Maria Mância de Lemos. Foi assim esta dupla sobrinha-neta e herdeira da representação e dos vínculos do 10º senhor da Trofa que sucedeu como 2ª condessa de Subserra (18.3.1825). Casou com um seu primo-direito (trineto por varonia dos 8ºs senhores da Trofa e também sobrinho-neto do 10º e último senhor da Trofa), que era senhor da antiquíssima Casa de Bordonhos e pelo casamento veio a ser conde de Subserra (12.4.1825).

E com este casamento se restaurava a representação com a varonia da Casa de Trofa, com condado e grandeza. Mas, mais uma vez, quis o destino que não tivessem filhos, já que o conde, ajudante às ordens do Infante D. Miguel e ferrenho realista, faleceu exilado em Paris com 26 anos de idade. A condessa voltou a casar, desta feita com um francês, o conde de Saint-Léger, vindo o casal a ser agraciado com o título condes (3.7.1823) e depois marqueses (24.2.1836) da Bemposta, em sucessão a um tio materno dele. Deste segundo matrimónio nasceu em 1841 uma única filha, D. Maria Isabel Antónia do Carmo de Lemos e Roxas de Carvalho e Menezes de Saint-Léger (1841-1920), que embora os títulos paterno e materno se tivessem acabado, foi feita 1ª marquesa da Bemposta-Subserra e casou (licença real de 11.9.1861) com António de Saldanha de Oliveira Juzarte Figueira e Souza, 4º conde de Rio Maior de juro e herdade, sendo a 19.5.1886 elevados a marqueses de Rio Maior, em sua vida. Mas também deste casamento não houve geração, vindo a extinguir-se esta linha em 1920, com a morte da marquesa, uma das mais notáveis figuras dos grandes do reino do século XIX.

Vemos assim que, apesar de extinto o senhorio e a varonia, a linha sucessora da Casa da Trofa rapidamente chegou a grande do reino, ainda antes de 1832, e que só verdadeiramente se extinguiu no início deste século, já em república.

Mas a sucessão não se ficou por aí. De facto, a outra irmã do 10º senhor da Trofa casou com seu primo-direito (neto paterno dos 8ºs senhores da Trofa), o 9º morgado de Bordonhos. Deste casamento apenas dois filhos tiveram descendência: o varão, que foi pai do já referido 2º conde de Subserra e de outro filho, que acabou sucessor, c.g. nos marqueses de Castelo Melhor; e uma filha, que casou com o 17º senhor de Mello. Deste casamento houve apenas uma filha, sucessora, que casou com o ministro Pedro de Mello Breyner, da Casa dos senhores de Ficalho e morgados de Serpa, que obteve do Rei para seu marido o senhorio da vila da Trofa. Se bem que apenas da Trofa e por uma vida, o senhorio acabou assim por voltar à família. Deste casal foi filho sucessor o 19º senhor de Mello, feito 1º conde de Mello em 1835. E filha a 8ª marquesa de Niza e 12ª condessa da Vidigueira pelo casamento.

Do que ficou dito pode concluir-se que embora os senhores da Trofa, devido à extinção, não tivessem, como tal, atingido o grau da nobreza titular com grandeza, estão longe de ter dado o tal «mergulho na obscuridade». A verdade é que a sua linha de representação atingiu esse grau e essa grandeza ainda no antigo regime, ou seja, antes de 1832. E muitos foram os descendentes dos senhores da Trofa que igualmente tiveram esse grau. Com efeito, entre os descendentes dos 8ºs senhores da Trofa contam-se as seguintes casas titulares com grandeza: marqueses de Castelo Melhor, marqueses de Ponte de Lima, marqueses de Ficalho, marqueses de Niza e condes da Vidigueira, marqueses de Terena, marqueses de São-Payo, marqueses de Alegrete e condes de Tarouca, condes de Cascais, condes de Vila Real, de Melo e de Mangualde, condes de Samodães, condes de Vila Flor e condes de Alpedrinha, condes de Sieuve de Menezes, condes da Praia, condes da Ribeira Grande, condes de Bertiandos, condes de Arnoso, condes de Aurora, condes da Guarda, condes de Almada, etc.