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 Manuel Abranches de Soveral

 

 

 

Reflexões sobre a origem dos Pinheiro, de Barcelos

Solar dos Pinheiro, em Barcelos

Solar dos Pinheiro, em Barcelos

A ascendência do doutor Pedro Esteves, tronco dos Pinheiro de Barcelos, é dada de forma totalmente diferente nas várias genealogias que a trataram. Gaio, um homem de Barcelos, empenhou-se em corrigir o que até aí se dizia, às vezes maldosamente, sobre essa ascendência dos seus conterrâneos, com pormenores documentais inusitados no restante da sua obra, declarando peremptoriamente que o doutor Pedro Esteves está sobejamente documentado como filho de Estêvão Anes e sua mulher Grácia Martins, ama de leite de D. Fernando, futuro duque de Bragança.

Gaio cita um instrumento de habilitação de 1403, passado em pública forma por João Martins, tabelião do público da vila de Barcelos, por mandado do doutor Antão Lima, ouvidor das terras do duque de Bragança D. Afonso, no qual se declarariam os pais e avós de Estêvão Anes e se diz que sua mulher era então ama de leite de D. Fernando, filho do conde D. Afonso, que de facto nasceu nesse ano. E nesta habilitação se diria que Estêvão Anes era filho de João Esteves e sua mulher Maria Domingues; neto paterno de Pedro Esteves e sua mulher Aldonça Álvares; e neto materno de Afonso Chamorro e sua mulher Leonor Rodrigues. Gaio resolve depois entroncar, por palpite, aquele avô Pedro Esteves nos Penela, o que é rematada tolice, sem ponta de fundamento. E acrescenta que o dito Afonso Chamorro era cavaleiro do condestável Nuno Álvares Pereira, o que é cronologicamente inaceitável. E que aquela Aldonça Álvares era irmã do dito condestável, o que é igualmente anacrónico, não devendo ela, que não nasceu depois de 1330, sequer ser Pereira, pois não há na época nenhum Álvaro desta família. Gaio chega à conclusão de que esta Aldonça Álvares era Pereira porque considera que o bispo D. Diogo Pinheiro colocou na Torre dos Sinos da Colegiada de Guimarães um escudo esquartelado que contém as armas dos Pereira. Mas o certo é que D. Diogo Pinheiro tem, no seu túmulo na igreja de Santa Maria do Olival, em Tomar, túmulo renascentista hiper-decorado, saído da oficina de João de Ruão, um escudo sem Pereira, ou seja, o mesmo escudo que deixou noutros monumentos: Esteves, Pinheiro (um pinheiro e um leão, à esquerda, rompante contra o tronco da árvore) e Lobo. O escudo esquartelado da Torre dos Sinos (Pinheiro, Pereira, Lacerda? (flores de lis) e Lobo, que também está na matriz de Barcelos, é muito posterior e foi colocado por Henrique Pinheiro, neto do doutor Pedro Esteves, que, ele sim, era Pereira e Lacerda por sua mãe.

Diz também que Estêvão Anes era irmão de Álvaro Anes de Cernache, que foi anadel-mor dos besteiros a cavalo e senhor de Gaia, falecido em 1442. Este Álvaro Anes já a 3.10.1385, sendo escudeiro de Rui Mendes de Vasconcellos, teve mercê da colheita de Coja e dos casais de Andoinha, no bispado de Coimbra, pelo que não nasceu depois de 1367. Apesar de ter tido um filho natural (Fernão Álvares Vieira, havido em Clara Anes, legitimado por carta real de 23.7.1422), não o fez seu herdeiro do morgadio e bens patrimoniais. Vários autores dizem que viram o seu testamento, que estava no cartório das freiras de Corpus Christi (Gaia), no qual deixava por testamenteiro e herdeiro do seu morgado o doutor Pedro Esteves, seu sobrinho.

Como veremos, Álvaro Anes de Cernache e Estêvão Anes não podiam ser irmãos, sendo certamente cunhados, ou seja, aquele casou, depois de 1392, com Senhorinha Anes, irmã de Estêvão Anes. Tendo este Estêvão Anes nascido entre 1360 e 1367, o que concorda com a cronologia dos filhos, nascidos entre 1390 e 1403.

 

O filho mais velho de Estêvão Anes foi Braz Esteves, nascido cerca de 1390, que em 1417 já era tesoureiro da Colegiada de Guimarães. Gaio cita e transcreve o testamento de sua tia materna Catarina Martins, onde esta faz seu testamenteiro e herdeiro "Braz Esteves meu sobrinho, Tesoureiro que ora he da dita Igreja de G.es". Esta Catarina Martins tinha "o Hospital do Corpo de Deus que está na Rua das Congostas da dita cidade (Porto), o qual edificou o Dr. meu Padre". Neste testamento, segundo a transcrição de Gaio, é ainda referida "Gracia Martins minha irmã, mãe do dito meu sobrinho".

E, de facto, Estêvão Anes foi casado com Grácia Martins, que, como vimos, em 1403 era ama de leite de D. Fernando, futuro duque de Bragança.

Segundo Gaio, que diz ter visto no Arquivo da Casa de Bragança o pergaminho original da doação, a 10.5.1416 o condestável Nuno Álvares Pereira doou o reguengo de Alviela, no termo de Santarém, a Estêvão Anes, seu escudeiro, e sua mulher Grácia Martins. E, em data não referida, diz Gaio que ainda lhes emprazou por três vidas umas casas em Barcelos, junto à cadeia, e uma cortinha nova, chamando a Grácia Martins "boa comadre" e declarando que fora ama de seu neto. Ainda segundo Gaio, sabe-se que esta Grácia Martins morreu a 29.6.1429, pois isso mesmo diz seu viúvo numa carta que terá escrito a seu filho Pedro Esteves, informando-o da morte da mãe, datada de 21 do mês seguinte. O mesmo autor refere vária correspondência de Estêvão Anes, onde se patenteia que tinha então três filhos: Braz, João e Pedro Esteves.

Pelo que já  ficou dito e pelo que acrescenta Gaio, Grácia Martins, irmã de Catarina Martins, era filha do doutor Martim Domingues, cidadão do Porto, onde instituiu o referido Hospital do Corpo de Deus, na rua das Congostas, e de sua mulher Grácia Esteves, que depois de viúva foi abadessa do mosteiro de Corpus Christi (Gaia). Quer Gaio que este doutor Martim Domingues fosse neto de Martim Domingues de Medelo, o que é muito de duvidar. Com efeito, Grácia Martins nasceu entre 1375 e 1380 e seu pai não terá nascido antes de 1340, pelo que dificilmente seria neto de Martim Domingues de Medelo, que depois de viúvo foi cónego das sés de Lamego (1270-92) e Viseu, prior da Colegiada de Stª Mª de Almacave (Lamego) e reitor de Stª Mª de Soutelo (Pesqueira). Este Martim Domingues era irmão de D. Geraldo Domingues, bispo do Porto (1300-1308) e de Évora (1313-1321), que a 28.4.1317 instituiu para seu sobrinho Vasco Martins (filho do dito Martim Domingues) o morgadio de Medelo (Almacave, Lamego), com sua capela de Stª Catarina na Sé de Lamego, com cabeça na sua quintã de Medelo e vinculando-lhe várias propriedades distribuídas por quase todo o país. Estipulou que a Vasco Martins devia suceder seu outro sobrinho, Egas, filho de seu irmão Vicente Domingues. Martim Domingues e D. Gerado Domingues eram ambos filhos de Estêvão Domingues, reitor da igreja de Penude (Lamego) e descendentes de um Jogundo de Medelo.

 

Como ficou dito, da documentação que Gaio refere resulta que Estêvão Anes e sua mulher tiveram três filhos: Braz, já referido, João e o doutor Pedro Esteves.

Gaio diz que João Esteves foi colaço do duque D. Fernando, a quem serviu desde menino, e que a 10.10.1422 o fez seu almoxarife e juiz dos direitos reais de Guimarães e seu termo e seu recebedor das rendas. Acrescenta que a 12.11.1448 João Esteves consta como almoxarife de Guimarães, Neiva, Ponte de Lima e Viana na escritura que se fez de composição entre o infante D. Pedro, duque de Coimbra, e o duque D. Afonso de Bragança, para ajustar as diferenças que entre ambos havia. E que consta como vedor das obras dos seus paços numa carta do condestável para Estêvão Anes, seu pai, e numa portaria da duquesa D. Constança, dada em Guimarães a 11.7.1449, pela qual lhe mandou dar vinte coroas de ajuda de custo e as bestas que lhe fossem necessárias para acompanhar o duque D. Afonso à romaria de Nossa Senhora da Lapa (Sernancelhe). Acrescenta Gaio que João Esteves casou com Catarina Pires, cujos pais se desconhecem, e que se teve filhos estes não deixaram geração, pois escreveu a seu pai, em data não referida, dando-lhe conta do que determinava e pedindo-lhe a sua aprovação para deixar seus bens ao sobrinho Álvaro Pinheiro. O que fez, acrescenta Gaio, por testamento de 1.12.1453, lavrado em Barcelos, estando doente, aprovado no dia seguinte por Aires Gonçalves, notário público, no qual instituiu por seu herdeiro e testamenteiro Álvaro Pires, seu sobrinho e afilhado, filho do doutor Pedro Esteves seu irmão, para que herdasse todos os seus bens móveis e de raiz, vinculando tudo em morgado, a que juntou também a quinta de Vila Verde e as bouças de Pedro dralois, que veio a ser chamado o morgadio de Pouve, determinando ainda que se o dito Álvaro morresse ficaria herdeiro seu irmão Pedro Esteves, se vivo fosse, e sendo falecido seu filho Diogo, sendo que sua mulher Catarina Pires haveria a administração do morgado juntamente com o herdeiro.

Mas toda esta informação não bate certo com a documentação que consegui colher. Na verdade, se aceitarmos como verídica a documentação que Gaio cita sobre a ascendência de João Esteves, o seu casamento e o seu testamento, então temos de recusar que tenha sido almoxarife de Guimarães. Com efeito, o João Esteves, escudeiro do duque de Bragança, que foi, entre outras coisas, almoxarife de Guimarães, não é filho de Estêvão Anes mas sim de Estêvão Rodrigues. E teve vários filhos documentados, que lhe sucederam. Pelo que, aceitando a existência de um Estêvão Anes, de Barcelos, s.g., irmão do doutor Pedro Esteves e ambos filhos de Estêvão Anes, não o podemos identificar com o outro João Esteves, de Ponte de Lima, também dito João Esteves da Ponte, que foi escudeiro do duque de Bragança e, nomeadamente, almoxarife de Guimarães.

Assim, o João Esteves, de Barcelos, é seguramente o João Esteves que a 20.4.1439 D. Afonso V confirmou no cargo de juiz das sisas de Barcelos, para que tinha sido nomeado por D. Duarte a 4.1.1434. E, dada a cronologia e onomástica, sua e da mulher, é possível, apesar da geografia, que seja o João Esteves cuja mulher, Catarina Pires, moradora em Moura, a 13.6.1452 teve carta de perdão, na sequência do perdão geral outorgado aos que participaram nos desacatos, assaltos e mortes na vila de Moura, tendo pago 200 reais de prata para a Chancelaria.

Ou seja: este João Esteves, juiz dos órfãos de Barcelos, não foi sequer escudeiro do duque de Bragança.

Bem diferente deste é o outro João Esteves, que aliás Gaio refere nos Pontes Ledos, casado com Beringeira Dias, sobre o qual, e respectiva família, reuni a seguinte documentação:

1.       A 27.8.1434 D. Duarte confirmou a honra e couto da quintã de Gominhães (Gomanhaães) a João Esteves, escudeiro do conde de Barcelos, que lha deu. Nesta mercê consta uma carta de D. João I de 7.5.1402 onde confirma o couto de metade da dita quintã a Álvaro Gonçalves de Freitas, seu vassalo e vedor da fazenda, que disse que no termo de Guimarães, na freguesia de S. João das Capelas, tinha uma quintã e aldeia que "se chama gomanhaães", coutada e honrada, que tinha do património de Mécia Rodrigues da Fonseca, abadessa que foi de Almoster, e de Mor Rodrigues sua irmã, mulher que é de Gonçalo Rodrigues Carvalho, por morte de Celestina Rodrigues sua avó. E por morte da dita Mécia, como o convento não podia, por lei, ficar com a sua metade, a vendeu ao dito Álvaro Gonçalves de Freitas. A outra metade ficou para a dita Mor Rodrigues e seu marido. E, com efeito, segundo um traslado de 14.2.1711 do Arquivo Particular da Casa de Gominhães, referido por Maria Adelaide Pereira de Morais ("Velhas Casas de Guimarães", vol. 2, págs. 840 e 841), da “honra de Gominhães”, que comprara aos testamenteiros de Álvaro Gonçalves, fez 24.8.1421 o conde de Barcelos pura e irrevogável doação de juro e herdade para todo o sempre a João Esteves da Ponte, seu criado, filho de Estêvão Rodrigues, morador em Ponte de Lima, e a sua mulher Beringeira Dias. Esta Beringeira era filha de Diogo Martins, almoxarife em Guimarães, e de sua mulher Leonor Gonçalves, irmã do dito Álvaro Gonçalves de Freitas. De referir, a propósito, que aquelas Mor Rodrigues da Fonseca e sua irmã Mécia Rodrigues da Fonseca, abadessa de Almoster, falecida antes de 1402, eram certamente sobrinhas de D.Dórdia Rodrigues da Fonseca, que em 1335 já era abadessa de Almoster. Mas filhas de quem? D. Dórdia não teve nenhum irmão Rui/Rodrigo. Assim, o patronímico que usaram seria já a repetição do patronímico do pai. Sendo que a referida avó Celestina Rodrigues, de quem vinha Gominhães, era necessariamente avó materna. O que desfaz a dúvida. Com efeito, eram filhas de Mem Rodrigues da Fonseca (irmão daquela D.Dórdia) e de sua mulher Constança Gil Peixoto, que justamente era filha de Gil Vasques Peixoto e sua mulher Celestina Rodrigues, filha esta de Rui Martins do Casal e Aldonça Álvares de Resende.

2.       A 14.12.1443 D. Afonso V nomeou João Esteves, morador na vila de Ponte de Lima, para o cargo de procurador do número da dita vila e seu termo, da mesma forma que fora seu pai.

3.       A 26.2.1450 D. Afonso V confirmou a João Esteves, escudeiro do duque de Bragança, todos os privilégios, foros, liberdades, frutos e novos, respeitantes à metade da quintã de Gominhães.

4.       A 17.4.1450 D. Afonso V nomeou Diogo Esteves, criado do duque de Bragança, para o cargo de escrivão da escrivaninha na comarca de Entre Douro e Minho, em substituição de João de Ponte, seu irmão, destituído do ofício por o ter vendido sem licença régia.

5.       A 9.6.1450 D. Afonso V privilegiou João Esteves de Ponte, almoxarife de Guimarães, concedendo-lhe licença para que possa andar de besta muar.

6.       14.2.1452 D. Afonso V nomeou Gonçalo Lourenço, morador em Ponte de Lima, para o cargo de escrivão das sisas do julgado de Souto, termo de Ponte de Lima, em substituição de Estêvão Rodrigues, que morrera.

7.       A 26.3.1455 D. Afonso V nomeou João Vicente, escudeiro, morador na vila de Ponte de Lima, a pedido do duque de Bragança, para o cargo de tabelião geral do cível e crime na dita vila e seu termo, em substituição de João Esteves, seu pai.

8.       A 25.8.1455 D. Afonso V doou a João Henriques, almoxarife de Guimarães, filho de João Esteves da Ponte, escudeiro da Casa de D. Fernando, enquanto sua mercê for, as rendas e direitos do préstimo de Gominhães, termo da dita vila, que possuía seu pai, assim que este morrer.

9.       A 3.3.1456 D. Afonso V nomeou Diogo Pires, a pedido do duque de Bragança, para o cargo de almoxarife de Guimarães, assim que falecer o seu pai João Esteves, que o dito ofício tinha.

10.    A 14.2.1466 D.  Afonso V nomeou João Esteves da Ponte, escudeiro do duque de Bragança, a pedido de Vasco Martins, seu conselheiro e requeredor da justiça em Arouca, na correição de Entre-o-Douro-e-Minho, para o cargo de procurador nessa correição, para além dos dois já existentes.

11.    A 8.2.1475 D. Afonso V nomeou Estêvão Anes, filho de João de Ponte, morador no Souto de Rebordães, para o cargo de escrivão das sisas de Ponte de Lima e seu termo, em substituição de Lopo Felgueira, o Moço, morador em Ponte de Lima, que fora destituído por ser culpado na morte de várias pessoas.

Este João Esteves (da Ponte, ou até apenas João da Ponte) era assim filho de Estêvão Rodrigues, de Ponte de Lima, que se documenta ter sido, pelo menos, procurador do número desta vila e escrivão das sisas do julgado de Souto, tendo falecido em 1452. Pelo que dificilmente seria o Estêvão Rodrigues, tabelião de Ponte de Lima, que a 20.5.1385 teve de D. João I a terra de Santiago de Sá, no julgado de (Conollã), com todos os direitos, frutos, rendas e foros, como tinham o arcebispo de Santiago e os cónegos e Cabido, para si e seus sucessores. Mas este Estêvão Rodrigues talvez fosse avô do outro.

 

Mas existe outra genealogia, manuscrita, do 1º quartél do séc. XVII, que em boa parte vem confirmar o que diz Gaio, neste particular dos Pinheiro muito mais informado do que nele é habitual, se bem que noutras o contrarie. Trata-se de um título sobre os Pinheiro, de autor desconhecido, que integra uma miscelânea manuscrita com cópia de genealogias de vários autores que se encontra na Biblioteca Nacional de França. Começa esse título com o doutor Martim Domingues, de Barcelos, "home honrado do t.po del rei D. João o 1º de Portugal q. fundou hu hospital na cidade do Porto na rua das Congostas da invocação de S. Salvador ou por outro nome do Corpo de Deos ao qual dotou de m.tas propriedades e casas q ainda oje tem na mesma cidade". Acrecescenta que este doutor Martim Domingues deixou duas filhas, Catarina Martins e Grácia Martins, sendo Catarina Martins sucessora na administração do hospital e casada com Afonso Anes de Freitas, cidadão do Porto e moradores em Guimarães. Não tiveram filhos, tendo-se ela mandado sepultadar no claustro da igreja de Stª Maria de Guimarães com o dito marido, por testamento feito por Nicolau de Freitas, tabelião d'el rei, a 4.12.1455 da era de César, "q. vem a ser no ano do nascim.to de Xpo nosso S.or de 1417", no qual deixou também como sucessor universal seu sobrinho Braz Esteves. Acrescenta que a outra irmã, Grácia Martins, casou com um Estêvão (que não identifica e cujo prenome terá tirado do patronímico dos filhos) e foram pais do antedito Braz Esteves, tesoureiro da Colegiada de Guimarães, que assim sucedeu na administração do hospital.

 

Até aqui tudo concorda e completa o que diz Gaio. Só que este declara, como ficou dito, que o doutor Pedro Esteves era filho da antedita Grácia Martins e seu marido Estêvão Anes, portanto irmão de de Braz Esteves e de João Esteves. Diz mesmo que Grácia Martins morreu a 29.6.1429, como diz seu viúvo numa carta que escreveu a seu filho Pedro Esteves, informando-o da morte da mãe, datada de 21 do mês seguinte. Gaio refere mesmo vária correspondência de Estêvão Anes, onde se patenteia que ele tinha então três filhos: Braz, João e Pedro Esteves. E diz que o doutor Martim Domingues foi casado com uma Grácia Esteves, que depois de viúva foi abadessa do mosteiro de Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia. Esta Grácia pode ou não ter existido, mas o manuscrito seiscentista da BNF, que não refere o nome da mulher do doutor Martim Domingues, é contudo muito assertivo a dizer que, além de Braz Esteves, Grácia Martins e seu marido foram pais de Grácia Esteves, prioresa de Stª Clara de Vila Nova de Gaia (Corpus Christi), que por morte do irmão sucedeu na administração do hospital, como "consta de hu estrom.to de posse em publica forma feito por Estevão Domingues T.am na cidade do Porto aos 17 dias do mes de Jan.ro do ano do nascim.to de Xpto nosso S.r de 1459, no qual mes e ano avia falecido a d. Prioreça". Acrescentando que Braz Sanches, sendo mancebo secular, teve um filho natural, que foi o doutor Pedro Esteves, "hu letrado mui abalisado em t.po del rey D. Aº o 5º e del rei D. João o 2º, foi cavaleiro da Casa dos duques de Bragãça, e alcaide mor de barcelos por elle ser o q. avogou pello duque D. Fr.do q. degolarão nos autos q. contra elle se procesarão (aqui há confusão com D. Fernando II, degolado em 1483, já o doutor Pedro Esteves tinha falecido há muito, que foi defendido por seu filho o bispo D. Diogo Pinheiro), e por morte da dita Gracia Esteves sua tia tomou posse do dito Hospital e foi administrador delle emq.to viveo, como consta do dito estrom.to de posse do ano de 1459, no qual consta q. se requereo em nome do d.to D.tor Pº Esteves caval.ro da casa dos s.rs duques de Bragãça que a elle lhe pertencia o morgado e sucessão do hospital de S. Salvador como bisneto que era de Martim domingues de Barcelos q. o d. hospital e sucessão fez e fundou seg.do tinha por boas escrituras e q. ate aquella hora trouxera e possuira o d. hospital, morgado e sucessam Gracia Esteves sua tia, prioreça que foi de S.ta Clara de Villa nova de Gaya a qual se então avia finado da vida deste mundo avia quatro ou sinco dias pello q. João do Couto procurador do nº da ditta cidade do Porto em nome do ditto D.tor Pero Esteves tomou posse do d. hospital e de seus bens de q. se lhe passou o d. estrom.to de posse em publica forma".

É assim evidente que Gaio se equivocou. Sendo provável, tendo em conta aquilo que afirma ter visto, que além de Braz Esteves e João Esteves tenha existido um irmão Pedro Esteves, mas que foi tio paterno do doutor Pedro Esteves. Contudo, o manuscrito da BNF não refere nem esse Pedro Esteves nem João Esteves como irmão de Braz Esteves. Mas, segundo Gaio, João Esteves faleceu em 1453 e seu irmão Pedro Esteves (que ele confunde com o doutor Pedro Esteves) foi colaço D. Fernando (nascido em 1403) e afilhado do condestável Nuno Álvares Pereira, como consta de um emprazamento que lhe fez a 10.6.1448 da quintã nova da terra de Paiva, pergaminho que Gaio diz que estava no Arquivo da Casa de Bragança.

Ora, tendo a prioresa Grácia Esteves falecido em 1459, pode ter sucedido na administração do morgadio do Hospital pouco tempo antes, ou seja, seu irmão Braz Esteves pode ter falecido cerca de 1455. Quer isto dizer que, quando Braz Esteves faleceu, seu irmão João Esteves já tinha morrido, sem filhos, e seu irmão Pedro Esteves também já teria morrido, certamente solteiro s.g., restando portanto apenas a irmã prioresa para suceder. E, por morte desta, sucedeu o sobrinho doutor Pedro Esteves, que apesar de ser filho natural, era o único descendente que restava do instituidor doutor Martim Domingues. Podemos assim reconstituir os filhos de Estêvão Anes e sua mulher Grácia Martins: 1) Braz Esteves, clérigo, tesoureiro da Colegiada de Guimarães, nascido cerca de 1390 e falecido cerca de 1455 (pai natural do doutor Pedro Esteves); 2) João Esteves, juiz das sisas de Barcelos, nascido cerca de 1393 e falecido s.g. em 1453; 3) Grácia Esteves, prioresa de Corpus Christi, nascida cerca de 1396 e falecida em 1459; e 4) Pedro Esteves, filho tardio, nascido em 1403, colaço do duque D. Fernando, falecido solteiro depois de 1448 e antes de 1455. É portanto o Pedro Esteves que a 26.1.1439 foi nomeado para os cargos de tabelião das audiências e escrivão público, a pedido de Diogo Fernandes de Almeida, do Conselho e vedor da fazenda, em substituição de Estêvão Anes, seu pai, por este ser velho e não poder exercer esse oficio.

 

O doutor Pedro Esteves terá nascido cerca de 1410, na juventude de seu pai Braz Esteves, ainda este não era clérigo. Gaio diz que se formou em Salamanca, que foi cavaleiro da Casa de D. Duarte, que o fez coudel de Guimarães em 1433 (não consta na respectiva chancelaria), que D. Afonso V lhe deu em 1455 carta de privilégio para seus caseiros e lavradores (o que é falso, pois o Pedro Esteves que teve esta carta a 15 de Fevereiro era vassalo e morador em Freixo de Espada à Cinta) e que o duque de Bragança o fez ouvidor das suas terras a 21.4.1441 e seu procurador a 20.6.1442, enquanto não se lhe passava carta de vedor. E que depois foi do Conselho de D. Afonso V.

E, de facto, o doutor Pedro Esteves documenta-se como cavaleiro do Conselho de D. Afonso V quando este rei, a 24.6.1469 deu a sua viúva, Isabel Pinheiro, enquanto for viúva e mantiver a sua honra, carta de privilégio para os seus amos, mordomos, apaniguados, criados, lavradores e caseiros, para a comarca de Entre-Douro-e-Minho.

E é o doutor Pedro Esteves, criado do duque de Bragança, a quem D. Afonso V a 10.6.1450 doou uma tença anual de 10.000 reais prata. E igualmente certo é que morreu antes de 15.8.1463, data em que o mesmo rei nomeou Fernão Pereira, fidalgo da Casa do conde de Guimarães, para o cargo de vedor das obras nas comarcas de Entre-o-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes, em substituição do doutor Pedro Esteves, que morrera.

Diz ainda Gaio que, já casado com Isabel Pinheiro, teve em prazo das religiosas do mosteiro de Corpus Christi (Gaia) a quintã de Revereda, em Stª Mª do Salto (que seria em complemento da outra metade, de sua mulher, conforme hipótese que adiante se refere), e a quinta de Portemim, em S. Clemente de Basto, por trespasse do duque D. Afonso. E que foi também senhor da aldeia de Curate, no concelho de Montalegre, que comprou em 1459. E que por morte de João Esteves ficou também administrador do morgadio de Pouve, em nome de seu filho, sendo ainda administrador do vínculo que seu pai (na verdade avô) instituiu.

Túmulo do doutor Pedro Esteves e sua mulher, cabeça de Isabel Pinheiro e armas que estão na capela. Pormenor dos desenhos de Luís de Pina, in "Guimarães - O Labor da Grei", Francisco Martins (editor), Guimarães, 1928. A pedra de armas, parcialmente destruída, será de Isabel Pinheiro, pois trata-se de um escudo partido, o 1º das armas do marido; o 2º cortado, em cima as armas dos Lobo (que parecem partidas com as dos Pinheiro, estando estas em 1º) e em baixo de novo as do marido.

O doutor Pedro Esteves iniciou a reconstrução da chamada Torre dos Sinos, ao lado da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães, a noroeste da igreja, para aí fazer capela para sua sepultura e de sua mulher, e que haveria de ser concluída pelos anos de 1513 por seu filho o bispo D. Diogo Pinheiro, que também foi Dom prior da Colegiada. A capela fica nos fundos, com abóbada de pedra, na qual estão a par os dois túmulos, com os vultos dos dois primeiros fundadores em tamanho natural, e trajando vestidos de gala ao uso do seu tempo. São lavrados em pedra de Ançã, com silvados, arabescos e outros desenhos, hoje quase tudo a desfazer-se. Têm à cabeceira um altar de pedra, com a imagem de Cristo crucificado, onde noutro tempo se dizia missa. Corre em volta da igreja, de nascente a sul, o antigo claustro, formado por pequenos mas elegantes arcos de pedra, pousados sobre colunas de formosos e variados capitéis. Hoje tudo está envidraçado e incrustado de cal. Gaio refere estes "dois túmulos de gesso levantados do chão com vultos de ambos em cima, o de Pedro Esteves com um Livro de baixo da cabeceira fingido do mesmo gesso, e sua m.er D. Isabel Pinheiro toucada com uma fita, que aperta a cabeça e a cerca ao redor junto às orelhas e em letras góticas estas palavras de uma parte = Isabel Pinheiro =, e de outra = sempre Vossa". Nestes túmulos, acrescenta Gaio, em cada um "se vê um escudo sustentado por dois leões". No de Isabel Pinheiro as armas dos Lobo, já parcialmente destruídas. No de Pedro Esteves diz que o escudo está tão gasto que não se percebem as peças, mas que seria um escudo com "quatro chaves penduradas por um cordel", igual ao que o doutor Pedro Esteves colocou na casa que fez em Barcelos. Com efeito, estas quatro chaves penduradas por um cordel (na verdade, dependuradas de um tronco) eram as armas usadas pelo doutor Pedro Esteves, provavelmente armas burguesas, que aqui, à falta de melhor designação, chamamos dos Esteves, e que ainda são usadas por seus filhos, esquarteladas com as dos Pinheiro e dos Lobo.

Esta heráldica levanta desde logo a questão de o doutor Pedro Esteves poder ser na verdade sobrinho paterno de Álvaro Anes de Cernache, uma vez que os Cernache usam umas armas totalmente diversas. Se o testamento referido por Gaio e outros autores é autêntico, e de facto Álvaro Anes de Cernache nomeou testamenteiro e herdeiro do morgadio e outros bens patrimoniais o sobrinho doutor Pedro Esteves, o mais certo é que fosse seu sobrinho-neto por afinidade, tendo o vínculo sido instituído por Senhorinha Anes, mulher de Álvaro Anes de Cernache, a proprietária dos bens vinculados, prevendo a instituição que, há falta de filhos do casal, sucederia a família dela, ou sendo de livre nomeação e tendo ela, por testamento, nomeado o doutor Pedro Esteves por morte do marido. Neste caso, Senhorinha Anes era irmã de Estêvão Anes e não filha do contador do Porto Afonso Anes de Beire (Veire), como diz Gaio. Este Afonso Anes foi contador do Porto de forma intermitente e faleceu em 1450. Com efeito, a 1.11.1439 D. Afonso V confirmou nomeação a 1.11.1437 de Lourenço Anes Ricovado, criado do rei D. Duarte, para o cargo de contador régio na cidade do Porto, assim como era Afonso Anes. E a 7.2.1440 o mesmo rei nomeou Vasco de França, escudeiro do infante D. Pedro, para o cargo de contador régio da comarca do almoxarifado da cidade do Porto, em substituição de Afonso Anes, que fora destituído. A 20.2.1450 nomeou João Afonso, escrivão dos contos régios na comarca do almoxarifado da cidade do Porto, para o cargo de contador régio e arrendador das rendas e direitos régios na dita comarca, em substituição de Afonso Anes, que morrera. Finalmente, a 8.11.1453 aforou ao filho maior de Afonso Anes, que fora contador régio na cidade do Porto, umas casas que foram aforadas a seu pai, contanto que por sua morte voltem à coroa, podendo os seus descendentes ficar com elas pelo foro anual de 1.400 reais.

O casamento de Álvaro Anes de Cernache com Senhorinha Anes ter-se-ia realizado cerca de 1411, teria ele cerca de 45 anos e ela 35 anos ou mais. Na verdade, pela legitimação do filho, sabemos que Álvaro Anes de Cernache era solteiro quando o filho nasceu. Ora, este filho, que faleceu em 1496, foi legitimado em 1422 e teve o 1º filho cerca de 1431, não terá nascido nem antes nem depois de 1410.

Na verdade, o filho legitimado de Álvaro Anes de Cernache, como ficou dito, chamou-se Fernando Álvares Vieira, como coevamente se documenta, embora depois também apareça como Fernando Álvares de Cernache. Usou o nome Vieira pela mãe, que era filha de João Gonçalves Vieira, cavaleiro e alcaide-mor de Loulé. João Gonçalves Vieira foi alcaide-mor de Loulé por D. Fernando I (CFºI, 4, 27v). A 8.3.1384 o mestre de Avis confirmou João Gonçalves de Vieira, cavaleiro, alcaide de Loulé, nas rendas e direitos da alcaidaria de Loulé (CJI, 1, 6,v). E a 23.8.1385 João Gonçalves de Vieira, cavaleiro, alcaide de Loulé, teve confirmação dos bens que o mestre de Avis lhe fizera a ele e a sua sogra Constança Bentez, mulher de Álvaro Afonso, nomeadamente as rendas e direitos da alcaidaria de Loulé, como já tinha de D. Fernando, e vários bens de raiz e verbas que seu falecido sogro gastou (ib, 1, 115). Mas é falso que Fernando Álvares Vieira (terá sido com este que os Cernache acrescentaram à heráldica inicial a bordadura de vieiras, então uma alternativa ao esquartelamento) não tenha sucedido ao pai, pois em 1442 sucedeu-lhe nos cargos (CAV, 23, 112) e senhorio de Gaia (ib). A 28.6.1449 D. Afonso V confirmou a Fernando Álvares Vieira, cavaleiro da Casa do duque de Bragança, e a seu pedido, os cargos de capitão e coudel-mor dos besteiros e vassalos de cavalo do todo o reino e senhorios, bem como lhe concedeu licença para pôr anadeis, escrivão e porteiros dos ditos besteiros nos lugares onde julgue necessário, com todos os poderes que tinha Álvaro Anes de Cernache, seu pai, que morrera. E a 2.10.1475 doou a Fernando Álvares Vieira, cavaleiro da sua Casa, as três pesqueiras que foram de Maria, sua mulher, situadas no rio Douro, na terra de Gaia, termo da cidade do Porto, assim como ele tem a dita terra de Gaia. Assim, só não sucedeu no morgadio e outros bens patrimoniais. Acresce que, em 1443, o doutor Pedro Esteves vendeu a Fernando Álvares de Cernache, por 30.000 reais de prata, pagos em prestações anuais de 2.250 reais, os bens que seu pai (dele Fernando) tivera em Chaves, com a condição de ele os instituir em morgadio (ADP, P.O., 9º, 4ª série, nº 109, f. 95). Embora este instrumento não desfaça a dúvida, pois não explica mais, de alguma forma vem confirmar que o doutor Pedro Esteves foi de facto testamenteiro e herdeiro de bens patrimoniais de Álvaro Anes de Cernache, e que na verdade seria seu sobrinho (sobrinho-neto por afinidade na minha proposta). E, embora o documento não o diga, é possível que paralelamente se tenha feito também o acordo de casamento entre a filha mais velha do doutor Pedro Esteves e o filho sucessor de Fernando Álvares de Cernache, então ambos ainda menores. Em teoria, há ainda a hipótese de a desconhecida mulher em quem teve o filho o Padre Braz Esteves, tesoureiro da Colegiada de Guimarães, ser irmã de Álvaro Anes de Cernache, o que faria do doutor Pedro Esteves seu sobrinho direito (bastardo), para além de sobrinho-neto por afinidade. Hipótese à partida pouco provável e sobretudo não sustentada na documentacão, pois neste caso o doutor Pedro Esteves seria co-irmão de Fernando Álvares de Cernache e este parentesco não é referido no antedito documento. Por outro lado, nesta hipótese, seus filhos Catarina Pinheiro e Álvaro Anes de Cernache, casados cerca de 1450, seriam parentes no 2º grau de consanguinidade. Acresce que, neste caso, sendo o doutor Pedro Esteves um seu sobrinho-direito bastardo, não havia razão para Álvaro Anes de Cernache o preferir (ou ser obrigado a preferir) a seu próprio filho bastardo. Na verdade, aqui só serve a solução de ser sobrinho-neto por afinidade de Álvaro Anes de Cernache, sendo os bens de sua mulher Senhorinha Anes, ficando estipulado no vínculo ou testamento dela que, não havendo filhos do casal, sucederia o doutor Pedro Esteves. Na verdade, só uma nomeação específica serviria, pois tudo isto se passou antes de 1442, ainda estavam vivos o pai e os tios do doutor Pedro Esteves.

O doutor Pedro Esteves fez casas na vila de Barcelos, que seu filho Álvaro Pinheiro acrescentou e são hoje conhecidas como o solar dos Pinheiro. Nelas colou as suas armas (quatro chaves penduradas), com a inscrição: "Estas casas mandou o doutor Pedro Esteves fazer no ano do Sr. de 1448". Seu filho Álvaro Pinheiro, que aumentou a casa inicial, também aí colocou as suas armas: um escudo partido, no 1º Pinheiro, de Barcelos (um pinheiro com o leão) e no 2º, cortado, as armas do pai (Esteves) e as dos Lobo.

Diz Gaio que o doutor Pedro Esteves faleceu em Junho de 1469, o que é errado, pois, como vimos, já se documenta morto a 15.8.1463, tendo certamente falecido pouco antes, dado o teor do documento.

O doutor Pedro Esteves casou novo, cerca 1430, com Isabel Pinheiro, nascida cerca de 1411 e falecida depois de 24.6.1469.

Isabel Pinheiro era irmã de:

1) Lourenço Martins Pinheiro, nascido cerca de 1399, escudeiro da Casa de Bragança. A 25.1.1440 D. Afonso V doou vitaliciamente a Lourenço Martins Pinheiro, escudeiro da Casa do conde de Ourém, todos os bens que pertenceram a Gonçalo Martins, clérigo de missa, abade de S. Salvador de Silveira da terra de Fortão, morador em Vila do Conde, que os perdeu por os ter comprado sem licença régia, podendo vender, escambar, trocar, contanto que não faça avença entre as partes (CAV, 20, 46). Alão refere-o sem mais notícia. Gaio diz que viveu em Barcelos, onde casou com Beatriz Anes, de Cavaleiros, também sem mais notícia.

2) Gil Pinheiro, nascido cerca de 1401, que Alão refere sem mais notícia. Gaio chama-lhe Gil Pinheiro de Outiz, diz que viveu no Alentejo casado com Isabel de Sequeira e foi fidalgo da Casa de D. Fernando, 2º duque de Bragança, a quem serviu em Ceuta, sendo testemunha do casamento de seu filho com a filha do 1º conde de Vila Real, realizado em Ceuta por escritura de 19.8.1447. Não o consegui documentar.

3) Branca Pinheiro, a primogénita das irmãs, nascida cerca de 1403, que Gaio diz "sepultada na vila de Barcelos em sepultura alta junto da sacristia que hoje não existe, e tinha um letreiro que dizia = Aqui jaz Branca Pinheiro filha de Martim Gomes Lobo do Conselho do Duque de Bragança fº. do virtuoso D. João, e ouvidor em todas as suas terras e sua m.er Mor Esteves aqui jaz". Casou com Diogo Afonso Carvalho, fal. em 1463, senhor do prazo de Souto de El-Rei e do reguengo de Monte Bravo (13.1.1444), vassalo e escrivão da câmara de D. João I e D. Duarte, ouvidor da corte em 1438-40, corregedor de Trás-os-Montes e desembargador Casa do Cível de Lisboa pelo menos desde 1444, etc. A 13.1.1444 D. Afonso V escambou a Diogo Afonso Carvalho, desembargador régio, a sua quinta de S. Vicente, no termo da vila de Guimarães, pelo reguengo de Monte Bravo, o qual estava aforado a Gonçalo Gonçalves, morador no dito lugar, por cinco libras e meia da moeda antiga, e que por sua morte estava na posse de sua mulher Branca Vieira (CAV, 24, 4). Em 1439 o mesmo rei confirmou a nomeação de Nicolau Rodrigues, criado do conde de Barcelos, a pedido de Diogo Afonso Carvalho, ouvidor da corte, no cargo de inqueridor do número na vila de Guimarães e seu termo, em substituição de Fernão de Carvalhais, que morrera (ib, 19, 39). A 18.1.1440 nomeou Diogo Afonso Carvalho, a pedido do infante D. João, para o cargo de desembargador da Casa do Cível, em substituição de Lopo Martins do Carvalhal, sobrinho do condestável, com todos os privilégios e liberdades dos desembargadores da Casa do Cível (ib, 20, 3v). E a 1.3.1463 nomeou o Dr. Lopo Gonçalves para o cargo que exercia na Casa do Cível de Lisboa, em substituição de Diogo Afonso Carvalho, desembargador régio, que morrera, com todas as liberdades, privilégios e prerrogativas (ib, 9, 33). C.g., nomeadamente nos morgados de Cepões.

4) Beatriz Anes Lobo, que vivia viúva em Évora em 1450 (casada com Lopo Rodrigues Cerveira, almoxarife de Ponte de Lima, os quais trato no meu livro "Ascendências Visienses. Ensaio genealógico sobre a nobreza de Viseu. Séculos XIV a XVII", Porto 2004);

5) Leonor Gomes (Pinheiro), que casou com Martim de Crasto. A 27.6.1450, quando três dos seus filhos (Gil Martins, Álvaro Martins e Pedro Martins de "Clasto", ou seja, Crasto) tiraram ordens especiais em Braga, são referidos como "Martim de Clasto cavallero da cassa do Senhor Duque de Bragança e de Lianor Gomez sua mulher moradores na frreguesia de Sam Giãao de Çeraffãao" (hoje S. Julião de Serafão, freguesia do concelho de Fafe). Gaio dá este Martim de Crasto como filho de Diogo Gonçalves de Castro ("do Crasto") e de sua mulher D. Aldonça Coelho, fazendo depois, inexplicavelmente, Diogo Gonçalves filho de um Afonso Pires de Castro, o que é erro crasso. Para ser filho de Diogo Gonçalves "do Crasto", Martim de Crasto não podia ter nascido depois de 1370 (sendo póstumo), pelo que teria cerca de 80 anos quando seus filhos mais novos tiraram ordens em Braga, ou seja, o mais novo destes filhos terá nascido cerca de 1436, tendo ele cerca de 66 anos. É tardio mas está londe de ser impossível ou até pouco habitual. Pelo que, de facto, Martim de Crasto podia e devia ser o irmão mais novo de Lopo Dias de Azevedo, senhor de S. João de Rei. Sobre este assunto ver o que digo em "Lopo Dias de Azevedo e sua mulher D. Joana Gomes da Silva", in Gomes Martins de Lemos, 1º senhor da Trofa.

 

Isabel Pinheiro e seus referidos irmãos e irmãs eram filhos de Martim Gomes (Lobo), ouvidor de todas as terras do 1º duque de Bragança (1419), e de sua mulher Mor Esteves Pinheiro. Este Martim Gomes (Lobo), que no epitáfio vem como conselheiro do duque de Bragança, documento-o a 25.3.1435 como ouvidor do conde D. Afonso, quando D. Duarte confirmou um seu criado, João Fraco ou Franco, como escrivão das sisas de Vermoim. E a 7.11.1439 D. Afonso V confirmou o privilégio a Martim Gomes, morador em Estremoz, irmão de Gil Lobo, confessor do rei D. Duarte, que sendo escrivão das obras desse concelho, ficou autorizado a escrever os recibos de todas as despesas relativas às obras, recebendo para seu mantimento o mesmo que recebem os escrivães das outras obras. Mais tarde, a 20.12.1450, o mesmo rei doou a Martim Gomes, irmão de Frei Gil Lobo, uma tença de 1.200 reais de prata. Era portanto Lobo, embora coevamente não se documente com este nome. Martim Gomes (Lobo) era portanto irmão do célebre Frei Gil Lobo, franciscano, confessor do rei D. Duarte, que escreveu parte do "Leal Conselheiro", a mando do rei, como ele próprio diz ("uu conselho apropriado a duas barcas que frei Gil Lobo, meu confessor, que Deos perdoe, screveo per minha envençom"). Alguns autores modernos, que defendem uma autoria póstuma, argumentam que a fórmula "que Deus perdoe" não significa necessariamente que Frei Gil Lobo morreu em vida de D. Duarte, dizendo que ele foi depois confessor do infante D. Pedro, durante a regência, e ainda de Afonso V, sustentando-se num documento do Archivio Segreto Vaticano (Reg. Suppl. 448, 266rv) datado de 23.2.1451, que contém uma súplica de um frei Gil de Tavira. Sobre o qual D. Afonso V diz numa sua carta (Além Douro, 4, 184): "A quamtos esta carta virem fazemos saber que por os muytos serviços que frey gill de tavira abade do mosteiro de sam Joham dalpemdorada tem fectos a elRey meu senhor e padre cuja alma deus aja e a nos em seendo nosso pregador e confessor e meestre". Mas estes autores desconhecem as cartas de D. Afonso V, referidas acima, onde Frei Gil Lobo é referido assim (não como Frei Gil de Tavira) e como confessor de D. Duarte, o que significa que não era seu. Mas tudo indica que de facto ainda estava vivo em 1450, pois dificilmente Martim Gomes seria ainda referido como irmão de Frei Gil Lobo nesta data se este tivesse morrido antes de D. Duarte.

 

As genealogias não sabem ao certo de quem era filho este Martim Gomes (Lobo), e portanto seu irmão Frei Gil Lobo, dizendo apenas que era parente dos barões de Alvito e deitando-se depois a adivinhar (mal) o nome dos pais. Pelo patronímico (e até pelo patronímico usado pela filha Beatriz Anes), e pelo prenome do irmão, devia ser filho de Gomes Anes Lobo e sobrinho de Gil Anes Lobo, ambos filhos de João Peres Lobo, escudeiro, alcaide-mor de Castelo de Vide (15.6.1337) - que era primo-direito do 1º senhor de Alvito Diogo Lopes Lobo -, e de sua mulher Beatriz Gil, que era tia de D. Gil Fernandes de Elvas, alcaide-mor de Elvas, famoso capitão de D. João I, muito referido na sua crónica, que lhe deu o nome de Elvas e o tratamento de Dom. Ainda apenas como Gil Fernandes, escudeiro, morador em Elvas, teve a 29.3.1384 mercê dos direitos da alcaidaria de Elvas e do serviço dos judeus desta vila. A 23.9.1384 D. João I doou a Gil Fernandes, seu escudeiro e criado de D. Fernando I, para si e seus sucessores, os bens móveis e de raiz que Dom Abraão (judeu) tinha em Santarém e seu termo e noutros lugares, que perdera por "deserujços". A 20.12.1384 D. João I doou a Gil Fernandes, seu vassalo, morador em Elvas, todas as rendas, direitos e reguengos da vila de Arronches e seu termo.

 

A mulher de Martim Gomes (Lobo), Mor Esteves Pinheiro, que terá nascido cerca de 1378/80, dizem as genealogias que era irmã de João Esteves Pinheiro e de Gil Esteves de Outiz, senhor do Prado, todos filhos de Estêvão Gomes de Outiz e netos de Gomes Nunes de Outiz e sua mulher Milia Fernandes Camelo, filha esta de Fernão Gonçalves Camelo e sua mulher Constança Peres de Arganil, que em 1326 fizeram escambo com Mem Rodrigues de Vasconcellos, entregando o que tinham na quintã da Torre de Regalados e na quintã de Cervos pela metade da honra de Revereda, em Stª Mª de Salto. Não pode ser mera coincidência o doutor Pedro Esteves e sua mulher terem tido, segundo Gaio, o prazo da quintã de Revereda, em Stª Mª do Salto. Pelo que é bem provável que a dita metade da quintã de Revereda tenha passado para a referida Milia Fernandes Camelo (aliás a mais velha das duas filhas do casal), e desta para seu filho Estêvão Gomes de Outiz, deste para a filha Mor Esteves Pinheiro, e desta para a filha Isabel Pinheiro, que com seu marido terá tido o conveniente prazo da outra metade da quintã. Mor Esteves Pinheiro era muito mais nova do que seus alegados irmãos Gil Esteves de Outiz e João Esteves Pinheiro, que terão nascido o 1º cerca de 1340 e o segundo cerca de 1345. Com efeito, Gil Esteves de Outiz já aparece na lista dos padroeiros do mosteiro de Grijó de 1365, com uma filha que não é nomeada, pelo que seria criança. O direito de padroado vinha-lhe certamente por sua desconhecida mulher (pois o irmão não aparece), que não é referida na antedita lista, pelo que já teria falecido. Isto, apesar de se não dizer aí que o direito lhe vinha da mulher, como acontece noutros casos da mesma lista. Mas também acontece que, noutros casos em que o direito vem claramente pela mãe ou pela mulher, isso não é referido na antedita lista. A filha seria Guiomar Gil de Outiz, de facto a única que se documenta. Gil Esteves de Outiz já no reinado de D. Fernando teve mercê da terra da Cunha. E a 9.9.1384 D. João I confirmou a "gil stz doutiz" a honra da quintã "d ulueira", no julgado do Prado, que ele comprara a Rui Vasques Pereira e Rui Vasques Ribeiro, por ele ser "fidalgo sta em nosso sujço", mercê que lhe confirmou a 2.5.1385, tendo-lhe na mesma data confirmado a doação da terra do Prado, com suas rendas, frutos e novos, que lhe tinha doado enquanto regente. E a 26 de Maio do mesmo ano volta a confirmar a "gil stez d outiz nosso scudeiro" a terra do Prado a par de Braga, referindo desta feita que a doação incluía a jurisdição alto, baixo e mero misto império, com a condição de que, se ele morresse sem descendente legítimo, o senhorio voltaria para a coroa. Gil Esteves de Outiz, que deixou viúva Joana Paes, morreu cerca de 12.4.1415, data em que D. João I fez mercê do senhorio do Prado a seu neto Diogo Gil de Outiz, filho de Guiomar Gil de Outiz, viúva de João Gil do Porto, seu vassalo, sendo aqui de realçar um caso bem documentado de sucessão no nome da família materna. Este Diogo Gil viria a falecer sem geração, voltando o senhorio do Prado para a coroa, que o deu a Fernão Soares de Albergaria. Voltando a João Esteves Pinheiro, por seu lado, verifica-se que tem uma neta paterna que foi ama de leite da infanta D. Isabel, futura rainha de Castela, nascida em 1428, pelo que não podia ter nascido depois de 1410 e certamente nasceu cerca de 1408. A diferença de idades entre os irmãos Gil Esteves de Outiz e João Esteves Pinheiro e sua alegada irmã Mor Esteves Pinheiro só se pode aceitar se eles foram filhos de um 1º casamento do pai e ela de um 2º casamento. Estêvão Gomes de Outiz terá, assim, nascido cerca de 1319, casado a 1ª vez cerca de 1340, com 21 anos, e a 2ª vez cerca de 1377, com mais ou menos 58 anos de idade.

 

A heráldica dos Pinheiro e dos Outiz

Finalmente, temos a questão heráldica. Os Pinheiro, de Barcelos, usam um escudo de vermelho, com Pedra de armas de D. Gonçalo Pinheiro, bispo de Viseu (foto de Gonçalo Calheiros)um pinheiro da sua cor, arrancado de prata e frutado de ouro, e um leão do mesmo, à esquerda, rompante contra o tronco da árvore. Os Outiz usam um escudo de ouro, com seis arruelas de vermelho, postas em pala. Como se vê, não têm qualquer relação entre si. Por outro lado, verifica-se que as armas dos Pinheiro, de Barcelos, são afinal dos dois ramos da família e não apenas dos que foram para Barcelos, como se documenta nas armas que o bispo D. Gonçalo Pinheiro (ver o meu estudo sobre a Casa da Trofa) deixou em Viseu. Com efeito, este bispo de Viseu (1553) usou Pedra de armas de D. Gonçalo Pinheiro, bispo de Viseu (foto de Gonçalo Calheiros)um escudo partido, o 1º quartel com seis contra-bandas de vermelho em campo de prata, e o 2º com as armas ditas dos Pinheiro, de Barcelos. Noutras representações, policromadas, os quartéis estãos invertidos (ver imagens junto). As seis contra-bandas devem ser as armas de seu pai, João Pires, secretário do condestável, o marquês de Montemor-o-Novo. A 29.1.1477 D. Afonso V doou a João Pires, secretário do condestável, uma tença anual de 3.000 reais de prata, a partir de 1 de Janeiro de 1477, tença que era de seu pai Pedro Fernandes, que pedira ao monarca para a passar ao seu filho.

Este João Pires era irmão mais velho de Manuel Fernandes Menagem, capitão de uma nau da armada da Índia de 1505, que se notabilizou na defesa de Sofala, teve nome e carta de armas novas (Menagem) em Junho de 1512 e foi guarda-roupa do infante D. Luiz. Eram ambos filhos do dito Pedro Fernandes, morador em Alcácer do Sal e tesoureiro da infanta D. Filipa, e netos paternos de Afonso Fernandes, secretário da rainha D. Filipa de Lencastre, que se notabilizou na defesa de Alcácer do Sal pelo mestre de Avis. Esta família, que só se documenta com os patronímicos, devia assim ter o referido escudo de armas das seis contra-bandas.

João Pires casou com Leonor Rodrigues Pinheiro, administradora da capela dos Pinheiro, que era filha de Gonçalo Rodrigues de Carvalho e sua mulher Tereza Pinheiro, moradores em Setúbal, sendo esta filha de Martim Trigo, aí morador, e de sua mulher Ana Esteves Pinheiro, que era irmã do Padre Luiz Esteves Pinheiro, que sucedeu na administração da capela do Pomar da Pipa, junto a Palmela. Gaio diz que na Era de 1449 Estêva Lourenço Casado, mulher Lourenço Pires Pinheiro, sem geração, instituiu uma capela chamada do Pomar da Pipa, ao pé de Palmela, chamando para suceder nela Estêvão Anes Pinheiro, sobrinho de seu marido, Lourenço Pires, e casado com uma sua (dela) sobrinha homónima. O que se confirma, pois em Junho de 1412 (portanto Era de 1450) Esteva Lourenço, moradora em Setúbal, mulher de Estêvão Anes Pinheiro, apresentou uma verba de testamento, que se transcreve parcialmente, de Esteva Lourenço, mulher que foi de Lourenço Pires, tabelião (Hospital de S. José, L. 539, ff. 121 a 142v). Estêvão Anes Pinheiro era irmão mais velho de Martim Anes Pinheiro (a 4.11.1434 D. Duarte deu carta de segurança a Martim Anes Pinheiro, morador em Setúbal, por ter morto Frei Fernando, guardião do mosteiro de S. Francisco de Setúbal, e a 5.5.1442 D. Afonso V perdoou a justiça régia a Martinho Anes Pinheiro, natural de Setúbal, pela morte de Inez Gonçalves, sua cunhada, e por ferir Pedro Froiás e Rui Cuitela, moradores nessa vila, na sequência do perdão geral) e de Álvaro Pinheiro (a 21.4.1450 D. Afonso V perdoou a justiça régia a Diogo Leitão, morador em Tavira, acusado de matar Álvaro Pinheiro, de Setúbal, contanto que pague 500 reais de prata), todos filhos do já referido João Esteves Pinheiro.

Portanto, quer a descendência deste João Esteves quer a de sua meia-irmã Mor Esteves Pinheiro usaram as armas ditas dos Pinheiro, de Barcelos. Aparentemente, só o outro irmão, Gil Esteves de Outiz, usou as armas dos Outiz. O que significa que estas armas dos Pinheiro, de Barcelos, bem com as dos Outiz, já vinham do pai comum Estêvão Gomes de Outiz. E que os Pinheiro e os Outiz eram duas famílias distintas, das quais descendia este Estêvão Gomes, filho de Gomes Nunes de Outiz, senhor da honra e torre de Outiz, e de sua mulher Beatriz Fernandes Camelo. A freguesia de Outiz, a 18 km de Braga, fica hoje no concelho de Vila Nova de Famalicão. O conde D. Pedro diz que Gomes Nunes de Outiz foi cavaleiro "de un escudo, i de una lança", querendo com isto significar que não era um cavaleiro importante. As genealogias tardias dizem que Gomes Nunes foi filho de Nuno Pires de Outiz. Gaio supõe que este Nuno Pires de Outiz era filho de um Pedro Afonso Pinheiro, a quem D. Afonso III doou uns pardieiros em Santarém, e neto de um Afonso Pinheiro, que se documenta nas Inquirições de D. Dinis (1301) defendendo por honra o lugar de Rebordões, na freguesia de Insalde (Paredes de Coura).
Mas as coisas não são assim. De facto, D. Afonso III doou a 15.5.1254 um pardieiro em Santarém, mas a um Pedro Martins dito Pinheiro e sua mulher Maria Afonso ("Petro Martini dicto Pignario et veste mulieri Marie Alfonsi"). Portanto, este Pedro Martins (e não Afonso) não podia ser filho daquele Afonso Pinheiro, o que, aliás, a cronologia já negava.
Gomes Nunes de Outiz, que vivia com sua mulher em 1340, nasceu cerca de 1290, pelo que seu alegado pai Nuno Pires terá nascido cerca de 1260/65. Podia assim, do ponto de vista da cronologia e do patronímico, ser filho daquele Pedro Martins dito Pinheiro e sua mulher Maria Afonso. E, nesta perspectiva, Nuno Pires poderia ser irmão daquele Afonso Pinheiro de 1301. Contudo, esta possível origem comum dos Outiz e dos Pinheiro não é aceitável, pelo facto de estas famílias usarem armas totalmente diferentes, o que não poderia acontecer se se tratasse da mesma família. Só há, portanto, uma solução: Nuno Pires de Outiz não era irmão mas sim cunhado daquele Afonso Pinheiro, ou seja, Nuno Martins de Outiz casou com uma filha de Pedro Martins dito Pinheiro e sua mulher Maria Afonso. Matrimónio este que justifica que alguns membros da família Outiz usassem o nome Pinheiro (e respectivas armas). Armas estas que eram as dos Pinheiro ditos de Barcelos. Sem ter nada a ver com as outras armas ditas dos restantes Pinheiro (escudo de prata, com cinco pinheiros de verde arrancados, postos em aspa), que na verdade são as armas dos Pinho. E a atribuição destas armas dos Pinho a alguns Pinheiro é mais um erro da consabida ignorância dos reis de armas portugueses.

Acresce que Nuno Pires de Outiz, nascido cerca de 1260/65, terá sido o primeiro desta família a estabelecer-se no Sul, justamente devido ao casamento com a Pinheiro. Sendo muito possivelmente irmão do Estêvão Pires de Outiz que se documenta nas inquirições de 1284 com dois casais na aldeia de Beleti, freguesia de S. Miguel do Mato, julgado de Fermedo (hoje Belece, na freguesia de S. Miguel do Mato, concelho de Arouca) que tinha por dote de casamento com Sancha Abril, filha de Abril Esteves de Dagarei (ou Degarei), cavaleiro, que também se documenta bem nessas inquirições.

Gaio dá ainda ao antedito Gomes Nunes de Outiz um irmão, Afonso Nunes de Outiz, cuja filha casou com o cavaleiro Pedro de Mamoa, casal este documentado em 1299. Irmandade esta que é anacrónica e foi certamente apontada apenas com base no patronímico comum. Na verdade, Afonso Nunes de Outiz, cavaleiro, documenta-se nas Inquirições de 1284 e 1288. Trazia por honra a vila de Canelas, no julgado de Figueiredo (hoje a freguesia de Canelas, no concelho de Estareja). Onde também se documenta que o casal de Mamoa foi feito por um Nuno Pires, cavaleiro, no herdamento de um reguengo e noutro seu, no tempo do rei D. Afonso (III), casal este que ficava em Vila Cova de Porrinho, freguesia de S. Salvador de Rogi, julgado de Cambra (hoje a freguesia de Vila Cova de Perrinho, no concelho de Vale de Cambra), onde então vivia Martim Peres de Mamoa, "que mora en'o casal que tem regueengo de Porrinho", que deve ser pai ou irmão do dito cavaleiro Pedro de Mamoa. Nas Inquirições de 1288 documenta-se que a quintã de Outiz, nas freguesia de Santiago de Outiz e S. Martinho de Cavalões, julgado de Vermoim, era honra antiga, mas não se referem nomes. Mas Afonso Nunez de Outiz é referido como tendo nessas freguesias a herdade honrada dos Carpenteiros.

Afonso Nunes de Outiz, portanto, não terá nascido depois de 1240, pelo que não era irmão de Gomes Nunes de Outiz (nascido cerca de 1290), mas muito provavelmente seu tio-avô. Com efeito, Afonso Nunes de Outiz é certamente irmão do Pedro Nunes de Outiz que já tinha falecido em 1288, quando as Inquirições deste ano o referem com tendo uma honra na freguesia de Touguinho, julgado de Faria, que então era de seus filhos, não nomeados. E este filhos foram certamente os anteditos Estêvão Pires de Outiz e de Nuno Pires de Outiz (este o proposto genro de Pedro Martins dito Pinheiro).

A propósito, não se pode confundir este de Outiz com os de Outel (depois Doutel). Os Outel são originários de Bragança e documentam-se contemporâneos dos Outiz, aparecendo estes dois nome distintos. Com efeito, na mesma chancelaria de D. João I documentam-se perfeitamente distintos Gil Esteves de Outiz (gil st.z d Outiz), escudeiro, senhor do Prado (Braga), Gil Vasques de Outiz (gil uaasq.z d Outiz), que teve várias mercês, e Gil Martins de Outel (gil mjz d outel), que perdeu os seus bens por ter fugido da batalha de Aljubarrota. A este Gil Martins de Outel tinha dado o mestre de Aviz, sendo ainda apenas regedor do reino, as terras de Azoia e Abitureiras (1384) Alva, Balsemão e Parada (1.5.1385), invocando os muitos serviços que ele fizera ao rei D. Fernando e esperava que lhe fizesse a ele. Para já ter servido D. Fernando e ter estado em Aljubarrota (1385), este Gil Martins de Outel não terá nascido depois de 1350. Não pode ser, assim, o homónimo que surge em 1450. Provavelmente este Gil Martins mais antigo foi pai de um Martim Gil e este pai do Gil Martins de Outel, escudeiro da Casa Real, que em 1450 foi nomeado para os cargos de coudel e contador dos resíduos de S. João da Pesqueira, Trevões, Várzea e Soutelo, e ainda contador dos resíduos de Lamego. Parecendo ser o Gil de Outel ou Doutel que em 1498 teve mercê real de bens em Ouguela. Em 1451 teve carta de privilégio um Diogo Lopes de Outel, morador em Torre de Moncorvo, sobrinho de Gomes Borges, para todos os seus caseiros, mordomos, apaniguados, lavradores da comarca e correição de Trás-os-Montes. Este Diogo Lopes de Outel devia ser sobrinho da desconhecida mulher Gomes Borges, que foi casar a Torre de Moncorvo. Sendo que essa mulher parece filha de um Martim Anes, escudeiro. Se assim é, Diogo Lopes de Outel pode ser neto desse Martim Anes e este filho de um João Gil e neto do mais antigo Gil Martins de Outel. Aquele Gil Martins de Outel de 1450, escudeiro da Casa Real, de Trás-os-Montes e Alto Douro, não me parece que seja o Gil Martins de Outil, escudeiro da Casa Real, que em 1449 teve mercês de todos os bens móveis e de raiz que pertenceram a Afonso Pereira, procurador de Santa Clara de Coimbra, que os perdera por ter participado contra o rei na batalha de Alfarrobeira. Tanto mais que no termo de Coimbra existia então o couto de Outil (hoje uma freguesia de Cantanhede). Daquele Gil Martins de Outel, de 1450, parece filho o João de Outel que foi escrivão da alfândega de Bragança, cargo que em 1495 perdeu, por erros cometidos, para Álvaro de Meirelles, cavaleiro, criado da duquesa irmã do rei. Mas em 1496 voltou a ser nomeado escrivão da Alfândega de Bragança, cargo que voltou a perder em 1502, desta feita para Vasco de Moraes, escudeiro, por erros cometidos, tais como permitir a passagem de mercadores de Castela e alguns portugueses nesta mencionados, sem proceder ao registo e arrecadação do que era devido. João de Outel foi também coudel de Bragança, cargo em que a 1493 foi substituído por Tomaz de Oliveira, por acabar o seu tempo de serviço. Em 1496 João de Outel, escudeiro da Casa d’el rei e criado de D. João II, foi nomeado juiz dos órfãos de Bragança. Este João de Outel (que também aparece João doutel), escudeiro morador em Bragança, teve em Inez Martins, solteira natural de Alpedrinha, um filho Francisco Doutel que foi legitimado por carta real de 15.4.1501, a pedido do pai. E este deve ser o Francisco Doutel de quem descendem os Doutel de Almeida, família tratada pelo abade de Baçal.

 

 

 

A descendência do doutor Pedro Esteves

O doutor Pedro Esteves e sua mulher Isabel Pinheiro tiveram os seguintes filhos conhecidos:

1.     Catarina Pinheiro, nascida cerca de 1431, que possivelmente sucedeu no vínculo que seu pai teve por testamento de Álvaro Anes de Cernache, como ficou dito. Casou cerca de 1450 com Álvaro Anes de Cernache, neto sucessor daquele homónimo, de quem foi a 1ª mulher, também nascido cerca de 1431 e falecido antes de 13.8.1518, com testamento de 9.12.1512, senhor de Gaia-a-Maior (30.5.1496), fidalgo da Casa Real, que pediu o ofício de anadel-mor de besteiros a cavalo que seu pai tinha, mas recusou-lho D. João II a 25.1.1484, dando-lhe por ele uma tença de 10.000 reais, recusa que D. Manuel I confirmou a 29.2.1496, extinguindo depois o cargo. Álvaro Anes foi depois dizimeiro da alfândega da cidade do Porto e juiz do mar dessa cidade (confirmação de 1496, como era com D. João II), ouvidor de todos os feitos dos mercadores e marinheiros do Porto (26.5.1486, confirmado a 29.2.1496), e a 29.2.1496 teve carta de privilégio de fidalgo. A 30.5.1496 Álvaro Anes Cernache, cavaleiro da Casa d'el rei, teve confirmação da doação da terra da Gaia, a Maior, com todos os direitos, tal como tinha seu pai, Fernando Álvares de Cernache, cavaleiro da Casa d'el rei, morador no Porto, pela apresentação de uma carta feita em Samora a 20.10.1475. 26 dias antes tivera confirmação da doação das terras pesqueiras no rio Douro, na terra de Gaia, termo do Porto, tal como os tinha Fernando Álvares Vieira, pela apresentação de uma carta feita em Samora a 21.10.1475. Sucedeu num vínculo dito dos Sernache, instituído em 1443 em Chaves por seu pai. Este Álvaro Anes de Cernache era filho do já referido Fernando Álvares Vieira (também dito Fernando Álvares de Cernache), filho legitimado de Álvaro Anes de Cernache - também já referido, tio (por afinidade) do doutor Pedro Esteves -, e de Clana Anes (Vieira). Alão e outros dizem que deste casamento com Catarina Pinheiro não houve geração, o que me parece incorrecto. Na verdade, a 13.8.1518 Fernando Álvares, escudeiro fidalgo da Casa d'el rei, teve mercê de uma tença anual de 9.234 reais e 1/2 em separado de 2.308 reais e 1/2 que se lhe descontavam em virtude da confirmação de uma carta de D. Manuel, dada em Sintra a 5.9.1513, na qual confirmava a Álvaro Anes de Cernache, cavaleiro de sua Casa, um alvará de moto, feito por Gaspar Rodrigues em Évora a 15.9.1497, no qual, em virtude de Álvaro Anes de Cernache, juiz da alfândega do Porto, haver perdido um padrão de 11.543 reais de graça por tença em que montavam 1.151 coroas, despachadas por seu casamento, ordenara de lhe mandar passar um padrão com salva. E, porquanto Álvaro Anes era falecido e seu filho Fernando Alvares comprara, com licença d'el-rei, as 1.151 coroas a D. Briolanja Pinto, que lhe ficavam por dote e arras de seu casamento, conforme trelado do testamento de Álvaro Anes, feito e assinado por João de Figueiró, escrivão dos órfãos do Porto, aos 9.12.1512, e ainda por uma escritura pública de venda e trespassação, feita e assinada por Pero Fernandes, tabelião em Lisboa (CMI, 38, 39, e 4 de Místicos, 136). Não parece assim razoável que o filho tenha comprado à mãe os direitos da seu dote e arras, que iria herdar, fazendo muito mais sentido se esta compra fosse feita à madrasta. Aliás, na carta acima referida, Fernando Alvares é dito filho de Álvaro Anes de Cernache mas não da vendedora D. Briolanja Pinto. Por outro lado, a cronologia de Fernando Álvaro de Cernache adequa-se mais a filho de Catarina Pinheiro. Este Fernando faleceu solteiro, s.g., já no reinado de D. João III, como ficou dito. Ora, seu irmão Gregório de Cernache sucedeu no senhorio de Gaia a 23.3.1518, após a morte do pai, pelo que era necessariamente mais velho, tendo nascido o mais tardar em 1460, pelo que também era filho de Catarina Pinheiro. O único filho do 2º casamento deve ser Frei Cristóvão de Cernache, bailio de Leça, nascido cerca de 1485 e falecido a 19.1.1569, que se documenta filho de D. Briolanja Pinto. As genealogias mais antigas não tratam os Cernache, pelo que falta informação. Alão dá três filhos apenas ao 2º casamento: Gregório como o primogénito, a seguir Cristóvão e Fernando como o mais novo. Gregório e Fernando serão do 1º casamento, e antes de Gregório terão nascido filhas, que foram freiras ou ficaram solteiras, cuja memória se perdeu.

2.     D. Beatriz Pinheiro, nascida cerca de 1432, dama da infanta duquesa de Viseu D. Beatriz (mãe de D. Manuel I), que nomeadamente se documenta com seu marido entre 1470 e 1496 no fundo do convento de Nª Sª da Rosa da Caparica (informação que agradeço ao Dr. José Augusto Oliveira). A 15.5.1501, D. Isabel Pinheiro, mulher de Fernão Martins de Almada, fidalgo da Casa d'el rei, teve confirmação de uma tença de 15.000 reais que tinha sido dada pelo infante, pai d'el rei (D. Manuel I), a D. Beatriz Pinheiro, mulher de Pedro Vaz da Veiga, os quais a tinham trespassado à dita D. Isabel em dote de casamento. Casou antes de 1470 com Pedro Vaz da Veiga, filho de Tristão Vaz da Veiga. É o Pedro Vaz da Veiga, cavaleiro fidalgo da Casa do infante D. Fernando, que se documenta a 24.1.1459 e 28.3.1468. E o homónimo, fidalgo da Casa do infante D. Fernando, a quem este deu a 28.7.1465 uma tença de 15.000 reais, confirmada por D. João II a 24.2.1485 e por D. Manuel a 13.2.1497. Foram nomeadamente pais da antedita D. Isabel Pinheiro casada com Fernão Martins de Almada, já falecido em 1512. A 9.5.1502 Fernão Martins de Almada, fidalgo da Casa Real, nomeou procurador para cobrar 50.000 reais da sua tença e da de D. Isabel Pinheiro, sua mulher. E a 9.7.1512 D. Isabel, mulher que foi de Fernão Martins de Almada, fidalgo da Casa Real, moradora em Lisboa, teve de privilégio de fidalga. Pedro Vaz da Veiga era irmão de Diogo Vaz da Veiga, cavaleiro fidalgo da Casa de D. Afonso V, escrivão do corregedor de Lisboa, etc., casado na Madeira com Beatriz Cabral. A 16.11.1471 D. Afonso V doou a Diogo Vasques da Veiga, cavaleiro da sua Casa, enquanto sua mercê for, uma tença anual de 8.000 reais de prata, a partir de 1 de Janeiro de 1472. E a 19.7.1481 o mesmo rei nomeou Diogo Vaz da Veiga, cavaleiro e fidalgo da sua Casa, para o cargo de escrivão do corregedor de Lisboa, em substituição de Álvaro Rodrigues. Pedro e Diogo Vaz da Veiga eram filhos de Tristão Vaz da Veiga (a 4.11.1454 D. Afonso V privilegiou André da Veiga, sobrinho de Tristão Vasques da Veiga, concedendo-lhe licença para andar em besta muar de sela e freio) e de sua mulher Leonor Taveira; e netos paternos, segundo Alão, de Vasco Lourenço de Abreu e sua mulher Maria Anes da Veiga. Esta Maria Anes era, segundo Alão, irmã de João da Veiga, o Moço, e de Fernão da Veiga (que deve ser o Fernão da Veiga que a 27.8.1437 se documenta com herdades no termo de Arruda, dando origem aos Veiga de Montemor-o-Novo), todos filhos de João da Veiga, o Velho, e sua mulher Inez Pires. Alão diz que este João da Veiga, o Velho, foi "muito honrado homem" nos reinados de D. Fernando I e D. João I, cidadão de Lisboa e um dos procuradores desta cidade às Cortes de Coimbra, estando sepultado com sua mulher no mosteiro de S. Francisco de Lisboa, na capela do Salvador, onde tinham missa quotidiana (que ela instituiu um morgadio). É, portanto, o João da Veiga, cavaleiro, que a 24.5.1399 se documenta com casas em Lisboa, o João da Veiga, o Velho, que a 6.6.1399 se documenta com casas na Rua Nova, nesta cidade, e ainda o João da Veiga, mercador, a quem o mestre de Avis doou a 7.9.1384 o foro (de 100 libras anuais) de umas casas que tinha na Rua Nova, em Lisboa, para si e para duas vidas após a sua morte. Já tinha falecido a 2.4.1436 quando D. Duarte emprazou por três vidas a João Vasques de Almada umas casas na Rua Nova, em Lisboa, contíguas às "casas que forom de joham da ueiga o uelho". A 2.5.1436 o mesmo rei doou um chão em Lisboa na Judiaria Velha, na rua que chamam do Picoto, a Samuel Romão, que confinava com uns "sobrados dos herdey(ros) de Joham da ueiga que traz Jsaque francez".

3.      Doutor Martim Pinheiro, nascido cerca de 1433, que primeiro usou Martim Gomes, o nome do avô materno. Foi cavaleiro do Concelho e corregedor da corte (20.4.1509). Como Martim Gomes tirou ordens menores em Braga a 4.3.1452, como filho do doutor Pedro Esteves e de sua mulher Isabel Pinheiro, então moradores em Santa Maria de Barcelos. A 18.4.1453 D. Afonso V doou a Martim Gomes, filho do doutor Pedro Esteves, enquanto sua mercê for, uma tença anual, para os seus estudos, de 4.800 reais de prata, a partir de 1.1.1453. A 13.2.1466 o mesmo rei doou a Martim Gomes, filho do doutor Pedro Esteves, enquanto sua mercê for, uma tença anual de 6.000 reais de prata, a partir de1.1.1466. Já usava o nome Martim Pinheiro quando a 3.9.1487 teve carta de ordenado. A 12.2.1490 teve uma tença de 4.000 reais. A 8.6.1500 o doutor Martim Pinheiro passou recibo de uma arroba de pólvora para despesa da caravela Santa Maria da Graça, que tinha recebido de Martim Anes, almoxarife de Alcácer. A 17.4.1501 o doutor Martinho Pinheiro, do Concelho do rei e corregedor da corte, passou recibo a João Rodrigues Mascarenhas, pagador dos desembargadores, de 15.000 reais de seu primeiro quartel. E a 6 de Julho do mesmo ano passou ao mesmo recibo de 15.000 reais de seu mantimento, voltando a fazê-lo a 13 de Novembro, relativo ao 3º quartel, e a 13.1.1502, relativo ao último quartel do ano de 1501, pelo que recebia então 60.000 reais de ordenado anual. Já tinha falecido a 24.6.1511 quando sua viúva, D. Catarina Pinto, fez procuração a Diogo Borges, fidalgo da Casa Real e morador em Viseu, para em seu nome cobrar 15.000 reais da sua tença que tem naquele almoxarifado. A 2.5.1515 sua viúva D. Catarina Pinto teve provisão para receber 15.000 reais de tença, e sua filha D. Simoa para receber 24.000 reais de tença. D. Catarina já tinha falecido a 11.8.1525, quando seus herdeiros tiveram provisão para receber a sua tença 15.000 reais. Gaio diz que a si e sua mulher, sendo ele já corregedor da Corte, o convento de Corpus Christi (Gaia) lhe renovou a 5.10.1491 o prazo da já referida quintã de Revereda, em Stª Mª do Salto, com todos os seus casais, pertenças e direito, na forma que o doutor Pedro Esteves e sua mulher a tiveram e onde fizeram muitos acrescentamentos e benfeitorias, pelo foro de 2.400 reais, a 6 seitis cada real, tudo feito por escritura de João Barbosa, tabelião do Porto, em pergaminho que estava no Arquivo da Casa de Bragança. A confirmar-se o que deixei dito sobre esta quintã, o doutor Martim Pinheiro terá herdado a outra metade, que lhe viria dos seu 4º avô Fernão Gonçalves Camelo. O doutor Martim Pinheiro casou, portanto antes de 1491, com D. Catarina Pinto, filha de Gonçalo Vaz Pinto, 1º senhor de juro e herdade de Ferreiros e Tendais (14.8.1484), fidalgo do Conselho de D. Afonso V, seu vedor da fazenda de "Além Mar em África" (1472) e corregedor das justiças de Trás-os-Montes (8.7.1476), etc., e de sua 2ª mulher Inez Rodrigues de Góis, que no seu testamento aparece referida como mulher de Gonçalo Vaz Pinto, do Concelho, e pede para ser sepultada em Mesão Frio e depois trasladada para Santarém "a dicta minha carne for gastada que levem minha ossada a Santarém e que me lancem na capela de meu padre (…) e ponham um muimento sobre a dita cova e seja muito bem lavrado" (ANTT; Santa Clara de Santarém, 6, 15v - 17v). A 1.4.1453 o mesmo rei doou a Gonçalo Vasques Pinto, cavaleiro da sua Casa, uma parte da tença anual de 4.770 reais de prata, até perfazer a quantia de 57.143 reais que lhe era devida pelo seu casamento (o 1º, com Leonor Gil, que ele matou). A 31.12.1457 perdoou a justiça régia a Gonçalo Vasques Pinto, cavaleiro da sua Casa, culpado da morte de sua mulher, Leonor Gil, contanto que sirva 3 anos na cidade de Ceuta. A 19.5.1472 doou a Gonçalo Vasques Pinto, do seu Conselho, vedor da fazenda dos lugares de Além-Mar em África, uma tença anual de 8.000 reais de prata, a serem pagos dos tributos régios que se arrecadem em África, aos mouros tributários. A 11.10.1476 doou a Gonçalo Vasques Pinto, regedor das justiças reais na comarca de Trás-os-Montes, a quantia anual de mantimento de seu ofício de 18.000 reais de prata. E depois doou-lhe uma tença anual de 6.000 reais de prata a partir de 1.1.1481, a juntar à quantia que já lhe fora doada, o que perfaz a soma total de 24.000 reais. A 6.9.1484 deu-lhe outra tença de 18.000 reais. O doutor Martim Pinheiro e sua mulher tiveram dois filhos: Francisco Pinheiro, que morreu solteiro na Índia, e D. Simoa Pinheiro, que se documenta em 1515, como ficou dito, e que casou com D. Manuel Rolim, senhor de Azambuja, c.g. O filho deve ser o Francisco Pinheiro que morreu antes de 30.6.1529, data em que seus herdeiros tiveram provisão para receber no almoxarifado de Ponte de Lima 10.610 reais à conta de maior quantia. 

4.     Álvaro Pinheiro, nascido cerca de 1435 e falecido depois de 24.5.1511, que também aparece como Álvaro Pires e Álvaro Pinheiro Lobo. Como Álvaro Pires tirou ordens menores em Braga a 20.12.1455, como filho do doutor Pedro Esteves e de sua mulher Isabel Pinheiro, então moradores em Santa Maria de Barcelos. Era escudeiro fidalgo da Casa Real com 1.000 reais de moradia em 1469, acrescentado cavaleiro fidalgo com 1.200 reais em 1474 (confirmado em 1477). D. Afonso V a 20.4.1473 perdoou a justiça régia a João de França, criado de Álvaro Pinheiro, pela fuga da prisão e por querela que dele deu Álvaro Vasques, morador em Barcelos, na sequência do perdão geral outorgado aos homiziados que serviram na armada e conquista da vila de Arzila e cidade de Tânger, bem como mediante o perdão das partes. Foi alcaide-mor (interino) de Barcelos e ainda vivia a 5.8.1484, quando teve uma tença de 15.000 reais. Teve carta de perdão a 22.8.1491 e deve ainda ser o Álvaro Pinheiro que 17.3.1508 passou recibo dos 15.000 reais de tença que lhe pagou Lopo Pereira, almoxarife de Ponte de Lima; o Álvaro Pinheiro, fidalgo da Casa Real, que a 28.4.1509, 26.51510 e 24.5.1511 teve provisão para receber em Ponte de Lima 15.000 reais de tença, e o Álvaro Pinheiro, escudeiro do duque de Bragança e ouvidor de Ormuz, que a 12.5.1519 escreveu um carta ao rei, expondo os serviços que tinha feito e algumas coisas pertencentes ao governo da Índia. Gaio diz que teve o padroado da igreja de Cristelo e a administração da capela da Torre dos Sinos, um vínculo instituído por seu avô Estêvão Anes e o morgadio de Pouve, instituído por seu tio João Esteves. Isto indicaria que era o irmão mais velho, mas não creio, pois seu irmão Martim tirou ordens menores três anos antes do que ele. Por outro lado, o doutor Martim Pinheiro terá herdado a quintã de Revereda, quer a metade de raiz quer a sucessão no prazo da outra metade, conforme a hipótese que ficou referida acima. Álvaro Pinheiro casou com D. Joana (Pereira ou de Lacerda), que se documenta bem apenas como D. Joana, que faleceu depois de 19.6.1485, data da partilha dos bens de sua mãe, e antes de 10.5.1509, data da partilha dos bens de seu pai. Era filha Nuno Pereira  e de sua mulher D. Guiomar da Silva, cujos bens, por escritura lavrada em Serpa na data referida, foram partilhados pelo marido e pelos seus 13 filhos, a saber: Reimão Pereira (casado com D. Isabel), Álvaro Pereira (casado com D. Filipa), D. Joana (mulher de Álvaro Pinheiro, que levou procuração da mulher, passada em Barcelos a 11.2.1484), Diogo Nunes Pereira (casado com D. Filipa), D. Isabel (mulher de João de Faria) e os menores Rui Dias, Garcia Pereira, D. Maria, Henrique Pereira, D. Catarina, D. Margarida, Duarte Pereira e João Rodrigues, todos representados pelo pai. Por morte de Nuno Pereira fizeram-se partilhas na data referida, mas D. Joana já tinha falecido, comparecendo à escritura seu filho Henrique Pinheiro, com procurações de suas irmãs D. Filipa Pereira, D. Isabel Pereira, D. Maria Pereira, "dona" de Santos, e D. Helena, menores que estavam sob o poder de seu pai. A esta partilha compareceram também Diogo Nunes Pereira, Duarte Pereira, Rui Dias Pereira, João Rodrigues Pereira, D. Margarida, freira no mosteiro de Nª Sª da Conceição de Beja, os filhos (entre eles Manuel de Lacerda) e viúva de Reimão Pereira, João de Faria, viúvo de D. Isabel Pereira, Martim Quaresma, viúvo de D. Maria e curador dos filhos de ambos, e os filhos menores de Álvaro Pereira, tutelados pela mãe. Nuno Pereira foi alcaide-mor da Vidigueira e Vila Nova de Frades (30.9.1483). A 16.9.1483 D. João II doou a Nuno Pereira os direitos reais da Vidigueira e Vila Nova de Frades e a 30.9.1483 as respectivas alcaidarias-mores. Parece que foi também alcaide-mor de Portel. Em 1455 documenta-se apenas como Nuno Pereira, morador em Serpa, quando, com seu irmão Rui Dias de Serpa, foram perdoados um ano do seu degredo, a que tinham sido condenados por umas mortes que tinham feito em Serpa, numa contenda com João de Mello. Em 1480 vivia em Portel com sua mulher D. Guiomar, quando tiram ordens menores em Évora os filhos de ambos Álvaro Pereira, Rui Dias, Garcia Pereira, Henrique Pereira, Duarte Pereira, Henrique Pereira e João. De Álvaro Pinheiro e sua mulher nasceram vários filhos, sendo o sucessor Henrique Pinheiro, que em 1512 e 1513 se documenta como fidalgo da casa do duque de Bragança e capitão da gente de Barcelos, e em 1515 já como alcaide-mor de Barcelos. A 25.9.1523, ainda como alcaide-mor de Barcelos, teve uma tença de 15.000 reais. Deste Henrique foi irmã D. Isabel Pereira, menor em 1509, que veio a casar com Diogo Correa, senhor de Fralães, com geração nesta Casa, como refiro no meu Ensaio sobre a origem dos Correa, senhores de Fralães.

5.      Doutor João Pinheiro, nascido cerca de 1439 e falecido em 1507. Foi abade de Stª Catarina da Anobra (5.12.1488), doutor em Direito Canónico e Teologia e deão da Capela Real de D. Manuel I. Teve duas cartas de perdão, de 7.2.1491 e 17.7.1492. 

6.     D. Maria Pinheiro, nascida cerca de 1441, que estava viúva a 7.8.1512, data em que D. Maria Pinheiro, viúva de Pedro de Souza, passou recibo dos 20.000 reais que recebeu da sua tença anual, assente no almoxarifado de Ponte de Lima. Volta a passar recibo desta tença a 6.4.1514 e 15.4.1515, passando a 24.7.1515 procuração a João Afonso, abade de S. Fins, para a receber. Casou com Pedro de Souza, do Conselho, nascido cerca 1435, que tirou ordens menores em Braga a 17.2.1448 e foi o 1º senhor do Prado nesta família (15.8.1475), alcaide-mor de Outeiro de Miranda (antes de 30.10.1458, data em que D. Afonso V nomeou João Afonso, escudeiro, criado de Pedro de Sousa, morador no Outeiro de Miranda, para o cargo de juiz das sisas régias do dito lugar) e depois alcaide-mor de Sanábria (Galiza). O senhorio do Prado era de Fernão Soares de Albergaria, ainda vivo quando seu único filho Álvaro Soares de Albergaria foi assassinado em 1464, em Rates (Braga), deixando apenas um filho natural recém-nascido. Por morte de Fernão Soares o senhorio voltou assim à coroa, e foi doado a Diogo Fernandes de Almeida, que o vendeu a Pedro de Souza por uma tença de 45.000 reais. Com efeito, a 15.8.1475 D. Afonso V confirmou a terra do Prado, com todos os seus direitos, foros, tributos e jurisdições, a Pedro de Souza, do seu Conselho, como tinha Diogo Fernandes de Almeida, fidalgo da casa do príncipe D. João, com quem o dito Pedro de Souza fez escambo de uma tença de 45.000 reais pela dita terra. O que se confirma pela doação de 15.9.1475 a Diogo Fernandes de Almeida, fidalgo da casa do príncipe D. João, de uma tença de 45.000 reais, a partir de 1 de Janeiro de 1476, como tinha Pedro de Souza, com quem o dito Diogo Fernandes fez escambo da terra do Prado, com a condição da tença lhe ser paga pelo almoxarifado da vila de Abrantes e ele seja o primeiro a receber. Pedro de Souza fugiu para Castela com os filhos do duque de Bragança, no reinado de D. João II, pelo que perdeu temporariamente o senhorio do Prado. Isto mesmo se documenta numa carta de perdão de D. Manuel I de 15.7.1497 para um Afonso Gonçalves, morador em Favaios, termo da vila de Prado, onde se diz que poderia ora haver 13 ou 14 anos, quando Pedro de Souza, senhor que foi da dita terra de Prado, se fora para Castela com os filhos do dito duque de Bragança e ficara a dita vila a el rei meu senhor e primo que Deus tem. Com a morte de D. João II, Pedro de Souza voltou a Portugal, sendo já o D. Pedro de Souza, do seu Conselho e vedor de sua fazenda, que aparece na chancelaria de D. Manuel I a 20.3.1498. Embora não tenha encontra nenhuma carta nesse sentido, parece certo de Pedro de Souza reaveu o senhorio do Prado, pois a 25.4.1500 D. Manuel I fez mercê a Pedro de Souza, do seu Conselho, de uma tença de 45.000 reais, sendo 20.000 para si e 25.0000 para sua mulher Maria Pinheiro, havendo respeito às sentenças dadas contra si acerca da terra do Prado, as quais lhe custara os ditos 45.000 reais. Mas se Pedro de Souza não reaveu o senhorio do Prado, é certo que o teve seu filho sucessor Lopo de Souza, como plenamente se documenta. Pedro de Souza e sua mulher tiveram vários filhos, nomeadamente o antedito Lopo, que com seus irmãos Gonçalo de Souza e Rui de Souza tiraram ordens menores em Braga a 25.6.1478, e João de Souza, que aí tirou ordens de Epístola a 17.10.1480, sendo referidos como filhos de Pedro de Souza e sua mulher Maria Pinheiro, moradores em Barcelos. Tio paterno do homónimo que foi o 1º conde do Prado, Pedro de Souza era filho de Martim Afonso de Souza e sua mulher Violante Lopes de Távora (vide o meu estudo sobre a Origem dos Souza ditos do Prado). C.g.

7.      D. Diogo Pinheiro, nascido cerca de 1442 e falecido em Julho de 1526, sendo sepultado em belo túmulo com as armas dos Pinheiro (foto) na capela-mor da Pedra de armas de D. Gonçalo Pinheiro, bispo de Viseu (foto de Gonçalo Calheiros)igreja de Stª Mª do Olival, em Tomar. Foi o 1º bispo do Funchal (1514-1526), primaz das Índias, desembargador do paço e petições, Dom prior da Colegiada de Guimarães (6.1.1503-1513), vigário geral da Ordem de Cristo, em Tomar, doutor in utroque jure, comendatário de Carvoeiro, S. Simão da Junqueira e Castro de Avelãs, capelão e fidalgo da Casa do duque de Bragança D. Jaime e depois de D. Manuel I e seu conselheiro, etc. Foi advogado do duque de Bragança D. Fernando II, quando D. João II o condenou à morte (1483). Escreveu um manifesto em que pretendia mostrar a inocência do duque de Bragança, e protestou energicamente contra as monstruosidades do processo, o que fez com que perdesse as boas graças de D. João II. Tirou ordens de Epístola em Braga, muito tardiamente, a 17.10.1480, teria já 38 anos, sendo aí referido como Doutor Diogo Pinheiro, filho do Doutor Pedro Esteves e sua mulher Isabel Pinheiro. Teve filhos bastardos, nomeadamente D. Rodrigo Pinheiro, que foi bispo de Angra (1540-1552) e do Porto (1552-1572), e D. Isabel Pinheiro, que casou com João de Souza Homem, morgado de Bordonhos. Este, como João de Souza, com seu irmão Fernão, recebeu em Braga ordens menores a 22.9.1494, sendo então os pais moradores em Chaves. Como João de Souza Fradique, fidalgo da Casa Real, teve a 28.5.1513 provisão de 66.000 reais, metade da quantia que o rei lhe dera pelo seu casamento. Com sua mulher D. Isabel, vivia em Chaves quando seus filhos tiram ordens menores. Também viveu em Oleiros (Carrazedo de Montenegro). Faleceu no Porto antes de 13.7.1563, data em que D. Isabel Pinheiro teve em Vila Nova de Gaia renovação dos prazos que seu falecido marido, aí referido como João de Souza Homem (nome que em geral usou como adulto) tinha do mosteiro de Lorvão, a saber: a quintã de Bordonhos, em S. Pedro do Sul; um prazo na Esgueira feito em 1482 a Fradique Lopes, fidalgo da Casa do duque de Bragança, e a sua mulher Isabel de Souza; o prazo de 1530 das terras e propriedades em Chaves que João de Souza trazia em 3ª vida, os casais da Silva, em Carrazedo de Montenegro, os casais em Cabo, Vilarinho, Paranhos, Freigendo, Quintela, Mirandela e terra de D. Joana, que o pai do dito João de Souza trazia e a este sua mulher D. Isabel Pinheiro foram renovados em mais três vidas (Prazos do Mosteiro de Lorvão).

8.     Leonor Pinheiro, nascida cerca de 1443. Casou com Martim Ferreira, 7º morgado de Cavaleiros e de Cete, 6º morgado de Fajozes, etc., c.g. (vide o meu Ensaio sobre a origem dos Ferreira).

2007

 
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