«Terrorismo
pedagógico?»
Artigo publicado no jornal «O Comércio do Porto» de 22.9.1989 (e que se
mantém actual...)
O equívoco mais frequente na abordagem dos
problemas da juventude reside porventura na sua própria definição. Erro
conceptual que, de resto, se estende a muitas outras questões vitais da
modernidade, deformando assim à partida o objecto que se quer equacionar
e levando, depois, a conclusões que se vêm a demonstrar falsas quando
confrontadas com a realidade.
O elaborado edifício pós-modernista que
um pouco por todo o lado se ergue em louvor (mas não em proveito) da juventude,
é bem o exemplo da ideia que os seus bem instalados arquitectos e mestres-de-obras
dela fazem: um tempo da vida por onde todo o Homem necessariamente passa,
uma espécie de antecâmara da plenitude adulta, onde o sonho e a irreverência
são nostalgicamente permitidos desde que se assumam como transitórios.
Porque o objectivo de qualquer sociedade
instalada é sempre, em última análise, moldar os jovens segundo os (pré)conceitos
que a inspiram, na convicção de que assim está a transferir para o futuro
as certezas que tem e os mitos que alimenta.
Este fenómeno de transferência dos seus
próprios sonhos irrealizados e fantasmas por esconjurar para os ombros
dessa «nova oportunidade» que julgam estar na juventude, pode aliás ser
apontado como o momento exacto em que qualquer «adulto» se assume como
tal. Momento a partir do qual se sente no direito de exigir aos que «atravessam
a juventude» que o façam basicamente da mesma forma que ele o fez. Criando
em todo o processo factores de selecção que conduzem invariavelmente à
ascensão do «tipo» por eles definido como o «herdeiro» ideal.
Só que, por muito forte que possa ser a
organização deste entendimento civilizacional do devir humano, a verdade
é que ele tende a esbarrar com esta crua realidade: a juventude, muito
mais do que um estádio da vida do Homem, é sempre o despertar de uma nova
geração.
A diferença é substancial. Desde logo, porque
abole as fronteiras fictícias entre diversos tempos da vida de cada indivíduo
(quando é que se deixa de ser jovem e se começa a ser adulto?), criando,
isso sim, barreiras bem reais entre a forma como cada um e cada geração
se encaram a si próprios e àquilo que os rodeia.
Ao invés, sempre que a juventude é «enquadrada»
numa espécie de «clube etário», onde necessariamente todos «estagiam»,
raramente acontece mais do que a referida passagem do testemunho da geração
que ocupa o poder aos seus delfins «bem comportados», incapazes por sua
vez de realmente lideraram a sociedade, que se preparam para (apenas)
chefiar.
E é isto, infelizmente, que está hoje a
acontecer em Portugal: a nova geração, treinadíssima na reivindicação
de privilégios etários e na pedinchice ao Estado-patrão, não foi ainda
capaz de fazer assumir como sua uma única nova ideia, que o seja.
Das artes à economia, da filosofia à política,
não há nada de novo que a sociedade possa identificar como trazido pela
nova geração. Mesmo as ideias que hoje enformam o sentido da modernidade
(afinal lançadas pela primeira vez duas gerações atrás), se pode dizer
que tenham nos jovens portugueses os seus principais entusiastas.
E, no entanto, estamos no fim de uma época
ou no princípio de outra! Por toda a parte se ouve o canto do cisne das
velhas instituições, ideologias e mentalidades criadas pela revolução
industrial. Enquanto a «terceira vaga» avança e se instala em «bolsas»
pioneiras na vanguarda da civilização...
E o mais curioso é que, confrontada com
a ineficácia dos velhos mitos e práticas face às exigências e potencialidades
das novas tecnologias, a sociedade actual está formalmente aberta à inovação,
mesmo quando demonstra a maior dificuldade em avaliar ou mesmo em aceitar
uma ideia realmente nova.
Por isso o papel das novas gerações é fundamental,
não só como promotor da mudança mas também como «lastro» social ou massa-crítica
onde ela pode germinar. Porque não chega que um ou outro indivíduo apresente
novas soluções ou desenvolva uma nova mentalidade, se elas não encontrarem
eco em parte suficiente da sociedade.
Acontece amiúde que as inovações precoces
propostas por certos visionários demoram várias gerações a ser aceites
pela comunidade. O que indicia, onde tal acontece, a inexistência de uma
nova geração capaz de entender, defender e impor à sociedade que vai herdar
as ideias e soluções avançadas pelos melhores entre eles.
E porque é que isto acontece, nomeadamente
aqui e agora, neste tempo português onde tanta coisa precisa de ser radicalmente
mudada? Muito longe nos levaria esta análise, se bem que possamos simplificar
apontando o maior dos culpados: a Escola.
Uma Escola onde - como ainda recentemente
dizia na RTP (num debate com o ministro da Educação) um responsável associativo
dos alunos universitários - se pratica o «terrorismo pedagógico». Uma
Escola onde - como também acusou - se privilegia a funcionalidade, o «sebentismo»
e o carreirismo, em detrimento da inteligência e da criatividade.