«O
bom ladrão»
Pequeno conto publicado na rubrica «Gavetas do Tempo» do jornal «O Comércio
do Porto»
O bom ladrão morria angustiado no
equívoco da sua própria denominação: nunca fora bom, nem tão-pouco ladrão...
É certo que aquele seu jeito, que cultivava,
de prometer o que tinha e o que não tinha, sem nunca passar disso, lhe
deixava por toda a parte um rasto doirado de liberalidade a correr de
boca em boca na consabida progressão geométrica de quem conta um conto
aumenta um ponto.
Mas isso era outra história! Vinha-lhe do
sangue, do pai que fora, no seu tempo, exímio e celebrado vendedor da
banha da cobra. É que, vendo bem as coisas, c'os diabos, um homem para
ser bom, nesta acepção de simpático, não custa nada, e basta apenas saber-se
libertar de inibidores pueridos de consciência.
O mal é que fora aí, precisamente, que acabara
por dar com o burricos na água: a desonestidade total e descarada que
lhe permitira granjear essa simpatia popular, criara nas pessoas, ao fim
e ao cabo, a ideia errada de que ele havia de ser um refinado ladrão,
ainda que bom.
A verdade, verdadinha, porém, é que nunca
roubara sequer uma galinha. Até porque não gostava de canja. A sua vida,
ganhara-a, é certo, à custa de expedientes sub-reptícios e mais ou menos
obscuros. Mas roubar, preto no branco, isso é que nunca roubara ninguém.
E, na sua agonia histórica, lançou ainda
um breve olhar pelo horizonte privilegiado que se desfrutava daquele Calvário
final, repleto de fariseus, ocorrendo-lhe então o conselho avisado, mas
não seguido, de um tio materno, que nos tempos da juventude fora festejado
bobo da corte: Meu rapaz, quem te avisa teu amigo é! Mete-te na política,
ou ainda acabas mal...