«Massificação»
Pequeno conto publicado na rubrica «Gavetas do Tempo» do jornal «O Comércio
do Porto»
O cesto de laranjas doiradas que ajudara
a colher e vira crescerem nas árvores, tornarem-se adultas a cada raio
de sol, era agora uma massa amarela e húmida, esmagada pela trituradora
dos sumos engarrafados.
- Porquê, mãe, por que as mataram?!
Nem o cão, nem o pássaro, nem a mãe souberam
responder ao seu grito soluçado, perdido na garganta e no calor de Verão
que fazia.
Deviam ser cinquenta, as laranjas, todas
iguais e todas diferentes; cada uma colhida por um acto que apenas a ela
própria dizia respeito. E à laranja.
O cão e o pássaro abalaram, indiferentes,
para outras bandas do laranjal. Só a criança ficou ali, parada e com os
braços pendentes ao colo, numa recusa.
Uma laranja é uma laranja; e uma massa de
laranjas não é nada! Porque é que o pai as lançara assim, todas elas tão
bonitas, naquele poço que as esmagava para fazer sumo?
E nos olhos da criança, de novo, foi um
frenesim de lágrimas; uma dor convulsa, um desespero a que a mãe acudiu.
- Porque choras?
- Porque sim...
- Mas não deves chorar!
- Porquê?
- Porque não...