Muito
se tem escrito sobre os judeus e cristãos-novos de Portugal, e a sua
relação com as famílias portuguesas. Mas, infelizmente, nem sempre com
o conhecimento de causa que se impunha.
Antes da conversão
forçada, com D. Manuel I, são bem identificáveis os judeus portugueses,
ou seja, melhor dito, os judeus que aqui nasceram e/ou viveram. Com
efeito, tinham um estatuto jurídico e fiscal distinto dos portugueses
e aparecem sempre, na documentação do reino, com a indicação de judeus
ou da nação judaica.
Mas a sua liberdade
religiosa era grande. Vários são os portugueses, alguns deles fidalgos,
condenados por terem baptizado à força um judeu. É o caso, por exemplo,
de Gonçalo Vaz de Castello-Branco, cavaleiro da Casa do infante D. Fernando
(que é o futuro D. Gonçalo de Castello-Branco, pai do 1º conde de Vila
Nova de Portimão), que a 30.11.1468 teve perdão real de D. Afonso V
por, juntamente com outros escudeiros e cavaleiros, obrigarem um judeu
a tornar-se cristão contra sua vontade. Se bem que os judeus não estivessem
autorizados a esconjurar Cristo e Nossa Senhora, pois alguns foram condenados
por isso.
Sem querer aqui entrar
no regime jurídico e fiscal em vigor no século XV para os judeus, convirá
referir que existiam excepções, pois são várias as cartas de privilégio
passadas pelo rei a judeus, escusando-os por exemplo de usar o sinal,
de pernoitar nas judiarias, permitindo-lhes andar por todo o reino,
nalguns casos montados e armados. Podiam mesmo ter a qualidade de vizinhos,
como é o caso, por exemplo, de Isaque Abravanell, judeu, mercador, morador
na cidade de Lisboa, que a 7.10.1472 o rei recebeu por vizinho da dita
cidade, com todos os privilégios, liberdades e franquezas, como têm
os cristãos vizinhos e moradores da dita cidade.
O casamento entre
judeus e cristãos estava proibido, bem como todas as relações carnais,
havendo alguns casos de condenação por isso.
Na sua grande maioria,
os judeus que se documentam nesta época eram mercadores, muitos com
negócios com o estrangeiro. Logo a seguir estão os médicos (físicos
e cirurgiões) e os ourives. Desempenhavam também ofícios variados, donde
sobressaem os ferreiros e os alfaiates e gibeteiros. Aparecem também
bastantes tecelões. Muitos eram rendeiros, alguns da criação do rei
e seus servidores, tendo vários participado nas conquistas de Ceuta
e Tânger, por exemplo. E, obviamente, muitos desempenhavam funções nas
judiarias e respectivas câmaras, como vereadores, escrivães, ouvidores,
etc. Mas é evidente que havia de tudo, embora globalmente se possa
dizer que a comunidade judaica era mais rica do que o povo português
e até do que muita nobreza. Sobretudo após o êxodo de Castela, que começou
no final do séc. XIV, donde em geral vieram os mais ricos, já que era
preciso pagar para cá entrar...
A própria comunidade
judaica teria certamente a sua nobreza própria, e o estatuto social
e económico de algumas famílias judias era muito alto. Nestes casos,
os homens chegavam a ter o tratamento de Dom e as mulheres de Dona.
E podiam instituir e possuir morgadios, como é o caso, por exemplo,
de Gabriel Ben Crespo, morador na cidade de Lisboa, que a 24.9.1450
teve confirmação real da doação de um morgadio, com todos os privilégios,
honras, graças, mercês, liberdades, usos e costumes, feita a 31.1.1436
por Abraao Romeiro e Lidiça, sua mulher, que o haviam recebido por morte
de D. Mousen Navarro, rabi-mor, que morrera sem herdeiros. E já D. Pedro
I tinha confirmado a Isac Navarro a administração do morgado de Mousen
Navarro e sua mulher Salva (1, 77v), onde se transcreve a carta de instituição.
De resto, ficaram
alguns selos e matrizes sigilares medievais que demonstram que os judeus
já então usavam em Portugal não só selos pessoais mas também selos inequivocamente
heráldicos, como é o caso de um exemplar datado do séc. XIII (aproximadamente),
que tem um castelo de três torres no interior de dois círculos concêntricos,
entre os quais se desenvolve a legenda em caracteres hebraicos.
Certos judeus ou cristãos-novos
conseguiram mesmo chegar à nobreza portuguesa, como é o caso bem conhecido dos Castro do Rio. E o caso, também, do
rico mercador judeu Jocob Baru, falecido em 1471, cujo filho foi primeiro
para a Holanda e depois para Inglaterra, onde o rei Edward IV o baptizou
de pé com o nome de Edward Brampton, o armou
cavaleiro (documenta-se como Sir) e lhe deu o governo da ilha de Guernsey.
Com a morte deste rei voltou a Portugal, adoptando o nome de Duarte
Brandão, tendo comprado a lezíria da Corte dos Cavalos, no termo de
Azambuja, a D. João de Almeida, e a vila de Buarcos, com as marinas
de Tavarede e a dízima nova de Montemor, a Martim de Sepúlveda, tudo
bens da coroa que D. João II lhe doou de juro e herdade a 14 de Janeiro
e 22 de Maio de 1487, sendo então já do Conselho deste rei e continuando
a sê-lo com D. Manuel.
Paradigmático também
é o caso dos Espargosa e dos Alte, que foram nobilitados, não só eles
mas retroactivamente os seus ascendentes. O doutor Cristóvão Esteves
de Espargosa, desembargador dos feitos da fazenda de D. João III, e
sua mulher Isabel da Pinta, foram senhores da quinta de Espargosa, no
termo de Mértola, que instituíram em morgadio (7.6.1543), vinculando-lhe
ainda a quinta de Vale da Pinta, no termo de Santarém, a herdade do
Moutinho, no termo de Mértola, e casas e a quinta da Silveira, no termo
de Évora. Cristóvão Esteves foi nobilitado, adoptando no nome da sua
quinta (Espargosa), que D. João III privilegiou como solar da família
e a quem deu carta de armas novas. Era judeu e fora baptizado de pé,
sendo filho de Mestre Estêvão (Isac antes do baptismo), boticário em
Beja, e sua mulher Branca Esteves. O Doutor Cristóvão Esteves, que a
29.8.1533 teve de D. João III carta de privilégio que supria o seu "defeito
de nascimento", foi primeiro procurador dos feitos da fazenda,
pelo menos desde 1518 até 14.9.1521. Deste Cristóvão Esteves foi irmão
o licenciado Bernardim Esteves de Alte, desembargador do Paço, senhor
da herdade de Alte, no termo de Serpa, de que tirou o nome e que também
foi nobilitado por D. João III e confirmado por D. Filipe I em 1583,
sendo pai do doutor Cristóvão Esteves de Alte, nascido na corte de Lisboa,
doutorado em Leis pela Universidade de Coimbra a 9.6.1553, onde foi
lente de Instituta (16.11.1551), sendo também chanceler e desembargador
da Casa da Suplicação, e do doutor Bernardim Esteves de Alte, lente
de Vocações (1553) da Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra,
desembargador da Casa da Suplicação e do Paço, etc. O rei fez o dito
licenciado Bernardim Esteves "Fidalgo, e nobre como se toda
sua avoenga o fora", e como "se o dito sollar fora
antigo, e os Pays, Avós, bisavós, e tresavós dos ditos L.dos Bernardim
Esteves e Simão Gonçalves (Simão Gonçalves Preto, seu genro) fossem Fidalgos de sollar conhecido".
Os nomes
Os judeus anteriores
à conversão forçada são também facilmente reconhecíveis pelos nomes,
não só pelos nomes próprios mas também pelos apelidos ou nomes de família.
Percorrendo a longa
Chancelaria de D. Afonso V (1438-1481) foi-me possível recolher um vasto
conjunto de nomes de família tipicamente judeus, se bem que muitos deles
apenas se documentem com os nomes próprios, geralmente antecedidos da
designação mosse ou mestre.
Esses nomes de família
são os seguintes, por ordem alfabética:
A - Abam, Abaya, Abaz, Abeaçar/Abeaça, Abençall,
Abraçar, Abenzamorro, Abenazo, Abete, Abez, Abife, Aboa/a Boa, Abraão/Abraham
(sobretudo nome próprio), Abravanel, Abroz, Abudente, Açaral, Adaroque,
Adereos/Aderes, Adida, Aidara, Alarbom Albarrux, Albogalim, Albotene,
Alcabaz, Alcale, Alegria, Alfaquy/Alfaquem/Alfaquim, Alfeice/Alferce,
Almalle/Almalee, Almusas Alzagal, Alravel, Alroz, Alvargo/Allvargii/Allvargy,
Alvo, Am/Ham, Amalho, Amanilho, Amigo, Amyz, Anyneu, Arary/Arari, Arrobas,
Arte, Azeerim/Azecrim, Azenha;
B - Bacoa, Bagally, Barnabé,
Barrocas, Barrobe, Bari, Baru/Barru, de Barbova, Baquis, Beacar/Beaçar/Beatar,
Bega, Beiçudo/Beyçudo, Beiro, Belacide, Belhamym, Benafull, Benafaçom,
Benazo, Benjamim, Bemzamerro Benziza, Beuafaçom, Bichacho, Bieudo, Bixorda,
Brafanez, Bono, Boym;
C - Caçez, Cachado, Çaçom/Saçom/Sacam,
Cadaley, Çadiz, Caldeirão, Calimy, Çalleicaa, Calvo, Camacas, Camarinha,
Canana, Canfi, Capam, Capaya/Capayo, Catarribas, Catelaão/Catalão, Cardinel,
Carilho, Carraf, Caruchel, Castelão/Castelhão, Catam, Catiell, Cefim,
Cerasady, Chaveirol, Cide/Cid, Codilho, Cofeiro, de Colhar, Çoleima,
Colem, Colodro, Conciel, Cordilha, Coser, Cosfem, Cosim, do Crasto/de
Castro, Crespim, Crescente, Crudo, Cudello, Curuto;
D - Dano, Danom, Delhescas, Donhas, Douo;
E - Eide, de Elhifes, Escalona, Espanom, Espantão,
Erguas, Erudo;
F - Falaz, Famiz, Famta, Faquom, Faquim, Faracho,
Faravom, Fayham/Fayam, Focem, Folega, Frances, Franco/Franquo;
G - Gabay, Gabril, Gadim, Gaguim/Gaguy, Gaim,
Galiote/Galite, Galaje, Galante, Garçom, Gayos, Gedelha (sobretudo nomo
próprio), Golete, Gota, Guaryto, Gualite, Graço;
H - Husque;
L - de Labymda, Latam/Latão, Lavanca, Lázaro,
de Llescas, de Lestes, Levi, Liam, Lias, de Liscas, de Lixeas, Loquem,
Lozora;
M - Maalom, Macaz, Machosso, Maçon, Maconde,
Martelo, Marracoxy, Mataro, Matrotel, Mayll, de Medina, Menafem, Mocatel,
Mocato, Mofejo, Mosejo, Mollaão, Montam, Motaal, Motal, Muça;
N - Nafas, Nanyas, Naniras, Natam;
P - Papo, Palaçano, Palacho, Patteiro, Peço,
Pello, Pernica, Pexeiro, Picorro, Piecho, Picho, Prateiro;
R - Ribaro, Ricomem, Rodriga, de Rogos, Romano,
Romão, Romdyem, Romeiro, Rondim, Rosall;
S - Samaia/Çamaya, Sanamel, Saraya, Savarigo,
Solega;
T - Tarraz, Tavy/Tovy, Toby,
Tolledam/Toledano, Tony, Torigo, Tristam;
V - Vaca, Vallency, Varmar,
Vascos, Venyste, Viarcis, Vivas/Vivaz, Vidas, Vidos, Vivallaquero;
Z - Zaaboca, Zabocas, Zaquim,
Zaquem, Zarco.
Outros nomes usados
por judeus desta época têm a aparência de alcunhas, como é o caso de
Crespo, Dourado, Querido, Parente e Ruivo (nome usado por vários judeus
de Évora, alguns pais e filhos), podendo também ser o caso de Branco
e Preto, nomes que também se documentam em judeus, este último o nome
de uma importante família de mercadores de Lisboa. Mas Crespo, que também
aparece antecedido da partícula ben, seria por isso um nome próprio.
E resta saber se alguns outros nome de aparência portuguesa não são
afinal palavras hebraicas homónimas ou pelo menos homógrafas.
Documentam-se também
famílias judias com nomes claramente tirados de cidades ou vilas portuguesas:
Murça, de Faro, de Leiria, Coimbra, de Lamego, de Tomar, Penafiel, da
Pedreneira, de Cea/Seia, da Vitória (uma família do Porto) e Cascais.
Se bem que, quando se documentam, estas famílias vivessem em terras
completamente distintas das que ostentavam no nome.
Como característica
geral, os nomes judeus nunca têm patronímicos à portuguesa, se bem que
pelo menos os nomes antecedidos por ben o pareçam ser. Como é
o caso, por exemplo, de Benafaçom, que significaria filho de Afaçom.
Na verdade, só encontrei três judeus com nomes de família que podem
ser patronímicos à portuguesa: Marcos, Vicente e Manuel, se bem que
este último nome também apareça como Manueell. Claramente patronímico
português só encontrei um, aliás associado a um primeiro nome cristão.
Trata-se de Álvaro Gonçalves, judeu, morador na cidade de Évora, que
a 15.10.1454 teve perdão da justiça régia pela fuga da prisão. Mas julgo
tratar-se já de um converso (ou um dos vários que, como vimos, foram
por certas pessoas obrigados a converter-se), ou então um descendente
de judeus de Castela, onde as conversões forçadas começaram em 1391
e desde 1449 estavam em vigor os estatutos de pureza de sangue.
A verdade é que vários
judeus se converteram ao cristianismo muito antes da conversão obrigatória.
E este baptismo obrigou ao abandono do nome judeu e à adopção de um
outro, normalmente o do padrinho. É certamente o caso de Simão Homem,
judeu, convertido ao cristianismo, que a 27.4.1473 teve perdão da justiça
régia por ter ferido Yuda, judeu, e pela fuga da prisão, mediante o
perdão das partes e tendo pago 400 reais para a Piedade.
O que nos leva à questão
dos judeus, anteriores à conversão forçada, que ostentam nomes de famílias
da nobreza portuguesa. Não são muitos, mas são alguns, sendo que esta
adopção não pode estar relacionada com a conversão, pois usavam esses
nomes como judeus. É o caso típico de uma das mais importantes famílias
judias de Portugal, os Navarro. Parecendo certo, por outro lado, que
no século XV existia o nome Navarro em cristãos, como é o caso de um
Gomes Martins Navarro, morador em Altares. Ou do Nuno Navarro ascendente
dos Moraes de Antas. Também uma importante família de judeus
alentejanos que usava o nome Pinto. Documentei ainda judeus com os nomes
do Crasto/de Castro, Lobo, Marinho, Caldeira, Caldas, de Sá, Amado e
Pereira. Em alguns destes casos apenas encontrei um indivíduo com este
nome, como é o caso de Isaque Pereira, judeu, morador na cidade de Évora,
servidor de D. Afonso V, que a 9.7.1439 lhe confirmou um privilégio
D. Duarte de 9.4.1434 que o isentava do pagamento de qualquer imposto
régio e concelhio, de qualquer encargo e servidões régias e concelhias,
de pagar o serviço real novo em cabeças, do direito das sisas, de nenhum
encargo na comuna dos judeus, bem como de trazer na roupa o sinal no
peito, concedendo-lhe ainda licença para andar em besta muar de sela
e freio.
Os cristãos-novos
Com a conversão obrigatória
de 1497, no reinado de D. Manuel I, todos os judeus que não conseguiram
fugir do país foram baptizados compulsoriamente e tiveram que abandonar
os seus nomes e adoptar nomes cristãos, quer nomes próprios quer de
família. Se bem que, convém dizer, esta obrigatoriedade não se estendeu
imediatamente aos domínios ultramarinos, na África e na Índia, onde
os judeus puderam permaneceram como tal durante algum tempo e para onde
alguns foram. O judeu Bento Maça, por exemplo, era almoxarife de Azamor
em 1522.
O mais interessante
documento que conheço sobre os nomes adoptados pelos judeus baptizados
é uma genealogia dos cristãos-novos de Barcelos, escrita nos finais do século XVI, onde
se inventariam todos os cristãos-novos desta cidade, começando cada
família com o judeu baptizado, dando o seu nome original e o nome que
então adoptou. E aqui verifica-se o que julgo ter sido a regra geral:
os judeus da conversão obrigatória adoptaram sobretudo patronímicos.
De resto, o mesmo
acontece com os cristãos-novos que consegui documentar como tal até
à Inquisição (1536), amostra onde de facto predominam os patronímicos,
assim como certos nomes claramente recuperados dos anteriores nome judeus.
A saber: Manuel Alves, Diogo Fernandes, Luiz Álvares, Rui Lopes, António
Rebelo, Sebastião Garro, Manuel Lopes, Pedro Homem, Diogo Mendes, Cristóvão
de Brito, Fernando Rodrigues, Gabriel Dias, Francisco Lopes, Luiz Lopes,
Diogo Nunes, Diogo Mendes, Leonor da Paz, Gaspar Lopes, Miguel Gomes,
João Fernandes, Fernando Álvares, Henrique Dias, Cosme Dias, António
Gomes, Diogo Fernandes Safim, Luiz Álvares Vitória, Luiz Vaz de Negro,
Diogo da Pena, Diogo Vaz, Álvaro de Medina, Simão Fragoso, João Rodrigues,
Francisco de Burgos, Francisco Mendes, Gabriel Rodrigues, António Dias
e Fernando Lopes.
Na
Chancelaria de D. Manuel I surgem os seguintes cristãos-novos, identificados
como tal: Afonso Gomes, casado com Branca Navarro; Afonso Gonçalves,
tecelão; Aires Gonçalves; Álvaro Fernandes, escrivão das sisas de Ponte
de Sôr; Álvaro Lopes, alcaide-pequeno das Caldas; Álvaro Rodrigues;
Braz Reinel; Diogo Manuel; Duarte Borges, alfaiate, casado com Violante
Borges; Duarte Lopes; Duarte Rodrigues; Francisco Gonçalves, merceeiro;
Garcia Mendes, vedor dos panos de Castelo de Vide; Gaspar Vaz; Gomes
Aires; Henrique Fernandes, mercador; Henrique Lopes; João Afonso da
Câmara; João Rodrigues, regatão; João Velho, grumete; Jorge Dias, sapateiro;
Jorge de Oliveira; Lourenço de Paiva; Manuel Rodrigues, sapateiro; Pantalião
Dias; Pedro Tristão, Rui Lopes, ferreiro; Samuel Robim e sua mulher
Amada Balhamim; Simão Dias; Tomé Lopes; Tristão Apelacano; Tristão Dias,
filho de António Dias; e Vicente Reinel.
Portanto, se a maioria
usou patronímicos e alguns mantiveram os nomes judeus menos evidentes,
outros adoptaram os nomes de famílias pré-existentes, nomeadamente dos
respectivos padrinhos, o que, nalguns casos, se documenta.
Um dos casos mais
conhecidos de adopção de um nome nobre é o de Fernão ou Fernando de
Noronha, um importante e rico mercador que, quando demandava as costas
do Brasil em busca do "pau Brasil", descobriu a ilha a que
deu o nome de S. Jorge ou S. João Baptista, mas que ficou conhecida
pelo seu, ou seja, Fernando de Noronha. D. Manuel I fê-lo donatário
da ilha (16.1.1504), que D. João III lhe confirmou por duas vidas (3.3.1522).
Fernão de Noronha chamou-se inicialmente Fernan Martinez. Era irmão
de um Martin Alfonso e ambos filhos de outro Martin Alfonso, todos ricos
judeus castelhanos que fugiram para Inglaterra, onde prosperam a ponto
de o rei britânico lhes ter dado carta de armas burguesas. Com seu irmão
Martin Alfonso, que aqui parece que foi escrivão do mestrado da Ordem
de Cristo, Fernan Martinez veio depois para Portugal, onde D. Manuel
I o fez cavaleiro da sua Casa e lhe autorizou a 26.8.1506 o uso das
armas dadas em Inglaterra, que são: escudo partido de prata e verde,
na prata duas meias rosas de vermelho, moventes da partição; no verde
duas meias flores de lis de ouro, também moventes da partição e pegadas
às meias rosas, e no cantão do chefe uma pomba de prata voando.
Quando D. Manuel lhe
reconheceu as armas já se chamava Fernão de Noronha e tinha sido baptizado
em pé - como nomeadamente conta o genealogista e heraldista seiscentista
Padre António Soares de Albergaria -, quando em Portugal os judeus foram
obrigados a converter-se, tendo como padrinho D. António de Noronha,
1º conde de Linhares e escrivão da puridade (espécie de 1º ministro)
de D. Manuel I, de quem tomou o nome de família.
Este fenómeno era
então relativamente vulgar, quer no baptismo de judeus quer de mouros
ou pretos, bem como escravos. Já no fim da vida, Fernão de Noronha foi
mesmo tirado do conto plebeu e nobilitada a linhagem por D. João III,
a 28.6.1524, que o fez fidalgo de cota de armas, com o escudo que trouxera
de Inglaterra e que já D. Manuel I lhe reconhecera.
De
registar, ainda, que o abuso que em Portugal se verificou com a indevida
adoção de nomes de linhagens nobres, por parte de quem
a eles não tinha direito, levou as Ordenações Filipinas
a legislarem duramente contra essa prática: "E nenhuma
pessoa tome appelido de Fidalgo de Solar conhecido, que tenha terras
com jurisdição em nossos Reinos, não lhe pertencendo,
nem vindo de tal Linhagem, posto que seus pais assi se chamassem, se
na verdade lhes não pertencia. E quem o fizer, perderá
a fazenda, ametade para quem o accusar, e a outra para os Captivos,
e perderá todo o privilegio, que per sua Linhagem e pessoa tiver,
e ficará plebeo". Contudo, os cristãos-novos
ficam excluídos: "Porém os que novamente se converterem
à nossa Sancta Fé, poderão tomar e ter em suas
vidas, e traspassar a seus filhos sómente, os appellidos de quaesquer
Linhagens, que quizerem, sem pena alguma" (Livro V, Título
XCII, § 9).
A relação com os cristãos-velhos
O cristão-novo começou
por ser, face à lei, totalmente equiparado ao cristão-velho. O casamento
entre cristãos-velhos e cristãos-novos passou a ser permitido por lei,
embora socialmente não fosse bem visto, não só na nobreza mas também
no povo.
No período que mediou
entre a conversão forçada e os primeiros tempos da Inquisição, foram
vários e graves os problemas entre cristãos-velhos e cristãos-novos,
tendo levado à fuga de muitos destes, o que conduziu a que o rei, depois
de permitir, acabasse por proibir a sua saída do reino por cartas de
15 e 18.6.1532, o que adiantou pouco. Esta situação documenta-se bem.
A título de exemplo, temos uma carta de 30.6.1543 de Frei Jorge de S.
Tiago a D. João III dando-lhe conta da fuga de muitos cristãos-novos
e de como o Crato se ia despovoando deles; outra de 3 de Setembro do
mesmo ano, de Rodrigo Rebelo, dando conta ao rei que de Lagos fugiam
para Nápoles muitos cristãos-novos com mulheres, filhos e toda a sua
fazenda, pedindo-lhe que lhe ordenasse o que devia fazer em semelhante
caso; outra de 10.12.1525, portanto anterior à Inquisição, de D. Manuel
de Azevedo, dando parte a el-rei que chegara a Veneza uma grande multidão
de cristãos-novos de Portugal; e outra de 6.6.1542, de Sebastião de
Vargas, aconselhando D. João III a que não era conveniente passarem
a Fez cristãos-novos, porque dali fugiam para a terras dos mouros.
As acusações contra
os cristãos-novos e a má-vontade popular contra o seu novo estatuto
levaram D. Manuel I a emitir vários alvarás em defesa dos conversos,
nomeadamente um alvará de 2.6.1512 para os corregedores da corte não
aceitarem acusações tocantes à união que se fez sobre os cristãos-novos.
E D. João III promulgou várias cartas de privilégio para cristãos-novos,
esclarecendo que podiam participar e ser eleitos nas eleições para as
câmaras, e que podiam servir nelas, que as suas aposentadorias deviam
ser iguais às dos cristãos-velhos, etc. E
houve mesmo a necessidade de proceder contra cristãos-velhos que não
aceitavam os novos, como é o caso da prisão do madeirense Gomes Martins.
A 7.12.1515 o governador escreveu ao rei dizendo que Gomes Martins,
da ilha da Madeira, estava preso por dizer que se houvesse cem mancebos
como ele, matariam todos os clérigos-novos, acrescentando serem escusados
os pregões para se saber quem publicou os escritos contra os cristãos-novos,
por estes não quererem dar o prémio de três mil cruzados a quem o descobrisse.
E o juiz de fora de Trancoso a 24.5.1547 escreveu ao rei pedindo que,
pelos seus serviços, o despachasse para outra terra, por ter naquela
muitos inimigos, principalmente os cristãos-novos, pelas prisões que
tinha feito, e que os ditos peitaram nove pessoas para o matarem, no
que entrara um clérigo, que prendera e remetera ao seu prelado.
Estas desordens e
o geral descontentamento público foi dando força aos que defendiam a
necessidade da Inquisição, primeiro criada a 17.12.1531, por Clemente
VII, mas cuja formulação, que dava o comando a Roma, não agradou aos
responsáveis portugueses, que nesse sentido escrevem várias cartas ao
rei, situação que piorou quando no leito de morte o papa deu, a 8.4.1534,
perdão geral aos cristãos-novos, que entretanto, de forma anárquica
e sem cobertura institucional, tinham começado a ser presos e julgados
pelas autoridades locais e eclesiásticas. Finalmente, com o novo papa,
Paulo III, foi verdadeiramente criada a Inquisição, por bula de 23.5.1536,
mas ainda não nos termos que Portugal queria, sendo D. João III aconselhado
por vários responsáveis, inclusive o inquisidor-mor, a não fazer cumprir
várias coisas que essa bula estabelecia.
Foi então que D. João III adoptou os estatutos de pureza de sangue, em vigor
em Castela desde 1449, que proibia os conversos e seus descendentes
de participar das corporações de ofícios, da Igreja, das ordens militares,
impedia o acesso a cargos burocráticos e oficiais, e dificultava a entrada
nas universidades. E, obviamente, o acesso ao sacerdócio e à própria
Inquisição, nomeadamente como familiares do Santo Ofício. Sendo que,
convém lembrar, a Inquisição não perseguia os cristãos-novos, mas apenas
os que mantinham o judaísmo, bem como em geral todos os que estivessem
contra a Igreja e as suas normas, como todo o tipo de heréticos e, sobretudo
após Trento, os libertinos, sodomitas, bígamos, bruxos e feiticeiros,
etc.
O certo é que para
a generalidade dos portugueses, sobretudo para o povo, o baptismo forçado
dos judeus foi considerado uma afronta e desde sempre muito mal visto.
As famílias cristãs-velhas, da nobreza e do povo, guardavam ciosamente
a sua cristã-velhice e poucos se deixaram seduzir pelo ouro judeu, agora
cristão-novo e muito diminuído, embora algumas o fizessem, como é o
caso bem conhecido dos filhos de Pedro Álvares Lobo ,
o Galego, rico cristão-novo da Galiza, nascido em Monforte de Lemos
cerca de 1515, que foi para Vila Real e lá foi sentenciado pela Inquisição
em 1570. Apesar disso, casou uma filha, Violante Guedes, com Gonçalo
Leitão da Mesquita, com geração nos Sottomayor Mui Nobre, e uma neta
com Pedro Machado, com geração nomeadamente no grande Camilo Castello-Branco.
Mas, em geral, as
famílias de conversos foram cuidadosamente evitadas, observadas e seguidas.
Nos primeiros tempos, na documentação oficial continuou o hábito de
nomear como tal todos os judeus, que então passaram a ser referidos
como cristãos-novos.
Esta distinção, se
bem que depois tenha desaparecido da documentação oficial, com a Inquisição
tornou-se uma verdadeira obsessão. Saber exactamente quem eram os cristãos-novos
passou a ser uma espécie de obrigação social. Ao ponto de a própria
Inquisição, por exemplo nos processos para familiar do Santo Ofício,
o mais das vezes o que tem é de desmentir as informações populares,
que rapidamente rotulavam de cristã-nova uma família onde apenas um
indivíduo casou com uma cristã-nova. São inúmeros os casos de acusação
de ascendência cristã-nova que afinal se vem a provar sem fundamento,
pois apenas um parente colateral do habilitado, por exemplo um tio-bisavô
ou tio-trisavô, ou mesmo um primo, casou com uma cristã-nova. E tanto
bastava para lançar a suspeita popular sobre toda a família.
Por outro lado, os
nobiliários passaram a anotar cuidadosamente todos os casamentos da
nobreza com pessoas com ascendência cristã-nova. Alão, por exemplo,
é sistemático e meticuloso nesta matéria. De forma que é hoje perfeitamente
possível saber, sobretudo na nobreza, quem tem ou não tem ascendência
cristã-nova. E, ao contrário do que se possa pensar, são muitíssimas
as pessoas da nobreza portuguesa em que é possível dizer que não têm
qualquer ascendência cristã-nova. E o mesmo terá acontecido no povo,
embora seja mais difícil dizê-lo com segurança, por falta de informação
e documentação que permitam reconstituir toda a sua genealogia.
De facto, os casamentos
entre os cristãos-novos eram extremamente consanguíneos, como aliás
entre a nobreza, formando grupos geneticamente muitos fechados. É por
isso que erram fatalmente todos aqueles que aplicam raciocínios estatísticos
e sociológicos ao grupo genético chamado os portugueses. Porque esse
grupo, desse ponto de vista, não existia. Na verdade, existiam em Portugal
três grupos muito fechados: a nobreza, o povo e os judeus/cristãos-novos.
Ao povo juntou-se com certa facilidade a descendência dos escravos,
sobretudo africanos, mas também berberes, ou mouros, como se dizia.
Além de, obviamente, galegos, outros espanhóis e estrangeiros em geral,
do mesmo nível, que para cá vieram.
Os cristãos-novos
em geral fecharam-se nas suas comunidades e muitos emigraram, nomeadamente
para o Brasil, onde a miscigenação foi bem maior, como é natural.
A nobreza portuguesa
também se misturou sobretudo com a nobreza espanhola, e europeia em
geral, e, nalguns casos de remoto medievalismo, com a nobreza árabe,
distinta dos berberes. De forma que todos esses raciocínios estatísticos
só têm algum cabimento se aplicados apenas a cada um destes grupos.
Sendo evidente, é claro, que as excepções de miscigenação também se
verificaram, como convém à confirmação da regra, sobretudo com a extinção
em 1773 da diferenciação entre cristão novo e velho pelo marquês de
Pombal, que mandou queimar os registos cadastrais dos cristãos-novos;
e que muito mais se verificam no presente e se verificarão no futuro.
2005