A
imaginação ao poder!
Como
tantos outros casais, Pedro e Inez, sempre que o tempo o permitia, não
dispensavam um passeio de bicicleta pelo jardim suspenso entre a Boavista
e a Prelada. Tinham ambos nascido no Porto, por coincidência no mesmo
dia de 2001, e só por isso sabiam que este tinha sido o ano em que a sua
cidade fora capital da Cultura.
A
pista não era só para bicicletas. Larga o suficiente, com alguns bancos
laterais, aqui e ali, e bordejada por frondosas árvores e arbustos, acolhia
pessoas que passeavam a pé, crianças que brincavam, muitos esquiadores
de patins em linha e as omnipresentes trotinetes, com motor eléctrico
ou não. Há cinco anos que era um lugar obrigatório não só para os portuenses
mas também para muito do turismo que visitava a cidade, ansioso por ver
os já celebres jardins suspensos do Porto.
A
ideia fora excelente! Sendo o Porto, simultaneamente, uma cidade praticamente
sem áreas livres e com poluentes atravessamentos rodoviários, a solução
tinha sido curar um problema com o pêlo do outro... O troço da VCI entre
a avenida da Boavista e a quinta da Prelada fora o primeiro jardim suspenso
a ser construído. Obrigou à elevação, no cruzamento, da Via Marechal Carmona
e da rua Central de Francos, esta em conjunto com a linha do Metro e respectiva
estação, para acesso ao jardim. Depois, avançou-se com outro jardim suspenso
sobre a VCI, mas para sul da avenida da Boavista, até próximo da ponte
da Arrábida, onde se espraia num extenso e belíssimo miradouro sobre o
rio Douro, com extensão ao Estádio Universitário e à Via Panorâmica. E
começou agora a construção do jardim suspenso das Antas, que promete ser
magnífico.
Na
verdade, tanto ou mais do que o vinho, são agora famosos em todo o mundo
os jardins suspensos do Porto. E algumas cidades europeias com as mesmas
características estão já a seguir o nosso exemplo. Até porque se trata
de uma solução fácil e relativamente económica. Afinal, o que se fez no
Porto? Aproveitou-se a área da VCI, essa grande via de atravessamento
da cidade, para construir em cima, sempre que possível, belos jardins
suspensos, com vastos passeios. Quilómetros e quilómetros de jardins,
doutra forma impossíveis. Com a vantagem de minimizar a poluição sonora
e visual das intermináveis bichas de carros que a toda a hora entopem
essa via estrutural.
Uma
simples placa em U de betão armado, suspensa em colunas, foi o que bastou.
A sua largura, um pouco superior à da VCI, foi suficiente para deixar
ao centro um grande passeio público, ladeado por jardins em ligeiro declive,
no topo dos quais, junto às bordas, onde a terra tinha mais de um metro
de profundidade, foi plantado um correr de árvores e arbustos frondosos,
a maior parte de folha perene, sobretudo para manter o verde todo o ano.
As espécies, é claro, foram seleccionadas para se adequarem à circunstância.
E sempre que isso era possível, os jardins suspensos alargavam-se, com
maior ou menor declive, para jardins ou praças contíguas à VCI, com acontecia
na Prelada e entre a rua de S. João Bosco e a avenida da Boavista. Era
uma coisa bonita de se ver e sobretudo agradável de usufruir. A cidade
do Porto mudara por completo a sua face cinzenta. O milhafre, que o velho
Rui Veloso cantava, já não parecia tão ferido na asa.
Os
próprios automobilistas aplaudiram o projecto. Até porque muitos deles,
sempre que podiam, não dispensavam um passeio pelos jardins suspensos,
agora a pé ou de bicicleta, no trajecto que poucas horas antes tinham
feito de carro, num pára-arranca desesperante. Como a ventilação da VCI
se fazia pelas laterais, o trajecto automóvel sob os jardins suspensos
beneficiava afinal da cobertura contra a solheira ou a chuva. De resto,
são já hoje poucos os carros movidos pelos velhos motores de combustão
petrolífera. E os «pesados» já muito antes da construção dos jardins suspensos
que tinham sido proibidos de circular na VCI.
Pedro
e Inez, depois de um passeio a pé nos jardins da Prelada, retomaram as
bicicletas e pedalaram calmamente de volta à Boavista. Cruzaram-se com
o Diogo, que vinha numa trotinete eléctrica último modelo, das que agora
muitos usam para, de jardim em jardim, irem para os empregos. Quando o
tempo o permite e têm a sorte de viverem e trabalharem nos trajectos possíveis,
são na verdade cada vez mais os que recorrem a esta solução alternativa.
Desceram
em S. João Bosco, onde o jardim suspenso rematava num vasto espaço verde
com um parque de estacionamento subterrâneo. Enquanto o Pedro entregava
no primeiro piso as bicicletas aí alugadas, Inez descia ao quarto piso
para buscar o carro. Um novo modelo, movido a electricidade! Só agora
o tinham conseguido comprar, com a descida para um terço dos impostos
pagos por este tipo de automóvel não poluente. Recém licenciados, recém
empregados e recém casados, as suas possibilidades financeiras eram escassas.
Ainda assim, o dinheiro tinha de chegar para irem jantar às novas grandes
discotecas da praia da Luz, construídas sobre o mar, para lá das piscinas.
Afinal, faziam nesse dia 23 anos de idade, e era a primeira vez que o
festejavam já casados.