Manifesto
monárquico
para o século XXI
Uma coisa
é o Estado e outra o Povo/Nação, como bem se sabe. O Estado, como hoje
o entendemos, é um fenómeno historicamente recente, saído da mente dos
ideólogos iluministas da revolução francesa, se bem que as suas raízes
já se possam encontrar em Maquiavel, por exemplo. Face à integração em
curso e à actual tendência globalizante, o ciclo de vida do Estado jacobino
entrou claramente na sua fase final, sobretudo na Europa, onde nasceu.
Se o seu poder parece mais forte do que nunca, atropelando tudo e todos,
isso mais não é do que o estridente e agonizante canto do cisne.
Este fenómeno irrecusável anuncia graves dificuldades para as repúblicas,
que verdadeiramente só no Estado se consubstanciam. Pelo contrário, abre
enormes potencialidades ao ressurgimento das monarquias, que não são minimamente
dependentes do Estado. Aliás, mesmo as actuais monarquias europeias vão
beneficiar muito desse definhamento do Estado, que coarcta muitas das
suas virtualidades.
Na verdade, a Monarquia não se distingue da República por propor uma diferente
forma de chefia do Estado. A Monarquia é a forma particular como um Povo/Nação
se organiza numa comunidade viável e solidária. O rei não governa nem
chefia o Estado, mesmo quando em situações histórias extremas a isso se
viu obrigado. A Família Real é, isso sim, a mais perfeita representação
do seu Povo: quer a memória dos que já passaram, quer o do presente, quer
os direitos e a esperança dos que hão-de vir. Os Povos/Nações podem encontrar
várias formas de se auto-governar, como já fizeram no passado. A Monarquia
é sobretudo o garante da unidade orgânica e identidade do seu Povo/Nação.
A Monarquia não permite, contudo, uma forma qualquer de organização social,
porque não cabe nela, por exemplo, a tirania. A Monarquia, para o ser
efectivamente, é uma forma especial de organização social, que se caracteriza
e define pelos métodos que usa e não pelos fins que pretende atingir,
na convicção de que se os meios forem bons, os fins não hão-de ser maus.
Em boa verdade, a ciência política sabe já que não é possível à mente
humana prever todas as consequências, e as consequências das consequências,
que uma alteração social vai suscitar. Um objectivo, portanto um fim a
atingir, transforma-se sempre numa causa que vai provocar outros fins,
num processo infindável e verdadeiramente incontrolável. É esse o grande
pecado social do pensamento republicano e iluminista: julgar que pode
controlar o resultado final das mudanças voluntariosas, e que maus meios
podem conduzir a bons fins. Portanto, se a ideia de tradicionalismo se
pode associar à Monarquia, não é por atavismo ou reaccionarismo ininteligível.
É por sabedoria.
De alguma forma, a Monarquia é o anti-maquiavelismo; porque é o regime
dos Princípios e das boas práticas, secularmente testadas.
Assim, e para melhor consubstanciar o que ficou aflorado, é-nos possível
enunciar aqueles que são os 9 grandes Princípios monárquicos, num manifesto
claro e de unidade, que permita a todos saber, na diversidade que tanto
prezamos, onde estamos e o que queremos.
Liberdades
O rei é livre e livres somos nós. Parece simples ser-se livre, mas não
é.
O anseio pelas liberdades é cultural. Por isso, a natureza humana, imutável
como é, paradoxalmente aspira à liberdade e por regra constrói as redes
que peiam essa mesma liberdade! A Monarquia foi o processo, apurado ao
longo de milénios, não só para garantir as liberdades mas também para
promover activamente o seu desenvolvimento e enraizamento.
A República, que em nome da liberdade abstracta tantas vezes coarctou
as liberdades concretas (basta pensar na revolução francesa!), afinal
não é mais que um subproduto desastrado e mal pensado da aspiração à liberdade
que a Monarquia diligentemente promoveu ao longo dos séculos, mesmo quando,
à luz de uma desinformada mentalidade hodierna, assim pode não parecer.
Hoje, um século volvido sobre o terrorismo que acabou com a Monarquia
portuguesa, as liberdades estão verdadeiramente em perigo! O Estado todo-poderoso
e omnipresente tudo quer controlar e normalizar. Sentimo-lo todos, quotidianamente,
nas pequenas e nas grandes coisas, num ciclo vicioso incapaz, pela sua
natureza, de se auto-regenerar. Por isso a defesa das liberdades é talvez
a principal e mais urgente batalha da Monarquia, ciente de que só ela,
na verdade, as pode garantir e promover.
Diversidade
Sem as liberdades não pode haver diversidade. A República é, por natureza
e ideologia, um regime que aspira à unicidade e só nela verdadeiramente
se realiza. E aqui é preciso distinguir as repúblicas modernas, saídas
da revolução francesa, das republicas aristocráticas da Antiguidade ou
da Idade Média, que não têm nada a ver entre si.
Pelo contrário, a Monarquia é por natureza a harmoniosa congregação do
diverso e só com ela a diversidade ganha cidadania. Que o diga Espanha!
A diversidade é vida, a unicidade é morte.
As potencialidades criadoras e inovadoras que a diversidade suscita e
desenvolve é o que tem faltado a Portugal, uniformizado à força pela filosofia
republicana. E desenganem-se: não há unicidade boa, mesmo que seja aquela
que melhor se coaduna com as nossas particulares ideias. A unicidade é
sempre má, porque estiola e porque são inadmissíveis os meios que usa
para o conseguir. Pelo contrário, a diversidade é natural e rica como
a vida e permite que todos e cada um se realizem em liberdade e alegria.
E só aparentemente, numa visão de curto prazo, a diversidade pode ser
difícil de gerir. O conflito não está aí, mas sim na prepotência unificadora
do Estado republicano.
A República não sabe lidar com a diversidade. A Monarquia nasceu dela,
vive dela e só nela verdadeiramente se realiza. Com a Monarquia, pela
sua própria natureza, a diversidade é uma garantia.
Família e comunidades
A Monarquia é, sobretudo, uma federação de comunidades livres. Como uma
grande família, unida no essencial mas diversa nas suas idiossincrasias.
Por isso as células-base da Monarquia são as famílias, mais do que os
indivíduos. O Homem é por natureza um ser gregário e só neste âmbito verdadeiramente
se realiza. O individualismo desenfreado que a República propõe e fomenta
é um beco sem saída, que só aparentemente pode conduzir à felicidade e
que, na verdade, conduziu a nefastos fenómenos tipicamente republicanos,
como são os conflitos geracionais.
Devolver o máximo possível de soberania às famílias é assim um princípio
fundamental da Monarquia, que se deve estender a todos os sectores, a
começar logo pela questão fulcral da educação dos nossos filhos. O Estado
existe para nos servir e não para nos obrigar a fazer o que ele acha melhor,
despindo as famílias de toda a sua natural soberania. É às famílias que
compete decidir como querem viver e como devem ser educados os seus filhos,
obedecendo apenas, é claro, a um mínimo consensual de princípios inalienáveis.
E cabe às famílias organizarem-se, de baixo para cima, nas comunidades
que bem entenderem, com todas as liberdades, desde que estas não contendam
com as liberdades dos outros. E só em Monarquia esta estrutura modular
da sociedade pode florescer em harmonia, porque é a própria natureza
monárquica e porque só ela é suficientemente forte e orgânica para equilibrar
devidamente este instável e delicado fervilhar da vida livremente vivida.
Até porque, e isso é vital, só no interior das comunidades naturais, autênticas,
a solidariedade social é espontânea e resulta inegável e imperiosa como
no seio de uma família.
Princípio
da subsidiariedade
Muito se apregoa hoje o justo princípio da subsidiariedade, que basicamente
consiste em nunca decidir a um nível superior aquilo que pode ser decidido
a um nível mais baixo.
No tempo histórico, a Monarquia portuguesa seguiu sempre este princípio não formulado. Promotora do municipalismo e das suas liberdades e responsabilidades
(porque não há liberdades sem responsabilidade!), a Monarquia histórica,
bem analisada a mentalidade coeva, deixou verdadeiramente o país respirar
e tomar organicamente conta de si mesmo, de forma adulta e livre.
Hoje, os desafios são outros. As verdadeiras comunidades, indispensáveis
à sã convivência e à solidariedade social, constroem-se com a liberdade
de decidir a esse nível tudo o que aí pode ser decidido, portanto na aplicação
do princípio da subsidiariedade. Uma comunidade amputada desta capacidade
rapidamente se desagrega. Apesar de o enunciar como desejável, a República
tem a máxima dificuldade em aplicar este princípio, com receio de perder
o controlo, sobretudo estabelecido na pirâmide centralista que está na
sua essência política.
Já a Monarquia, muito mais do que nas grandes super-estruturas sufragadas
de tantos em tantos anos por voto universal, assenta na descentralização
e na democracia participada e permanente, aliás o seu nível mais autêntico
e profícuo.
Justiça
O edifício legislativo português é hoje um amontoado contraditório e lacunoso
de ditames, e nunca o Direito esteve tão afastado da Justiça. Ninguém
hoje sabe sobre demasiadas coisas o que é certo ou o que é errado. A mesmíssima
questão pode ter sentenças diametralmente opostas. E, pior, muitos anos
depois!
A ânsia controladora do Estado republicano, apoiada na dependência que
dele conseguiu forjar na sociedade, elaborou um monstro legislativo sem
pés nem cabeça, qual harpia enraivecida e demente, em constantes convulsões,
que regula tudo menos a Justiça.
Convém aqui deixar claro que a questão não se coloca nem na divisão dos
poderes nem ao nível do Poder Judicial, mas no emaranhado legal com que
se vê obrigado a lidar. Se bem que esse monstro legal também influa, e
muito, na forma ineficaz como funcionam os tribunais e na demasiado frequente
impreparação dos juízes.
Como bem prova a História, a Monarquia não tem, por natureza, a vocação
do controlo legislativo, e sabe que o legislador, se tudo quiser controlar,
andará sempre atrasado e desfasado em relação à vida real.
É pois natural que seja uma das bandeiras da Monarquia a verdadeira Justiça,
assente num conjunto mínimo de leis, absolutamente unívocas, de forma
que todos possam saber à partida com o que contar, e suficientemente gerais
para garantirem a todo o momento os princípios aplicáveis. Toda a restante
conflitualidade social deve ser dirimida com base sobretudo nesses princípios
e não em leis burocráticas ou pormenores tecnicistas. A Justiça é que
deve enformar o Direito, não o contrário.
Ética e elites
O que nos remete directamente para outra questão fulcral da mundividência
monárquica: a dimensão ética que a vida em sociedade (e portanto o regime)
não pode dispensar.
A Monarquia é sobretudo um regime ético, que se rege por valores.
Mas desenganem-se todos os que pensam que a Monarquia moderna pode ser
um regime confessional ou imiscuir-se nas liberdades de cada um, sobretudo
na liberdade religiosa ou de expressão. Pelo contrário, a Ética monárquica
não lhe permite perseguir ou limitar alguém pelas suas convicções, como
a República fez com a Igreja, num exemplo entre muitos. Nem tem credo
oficial. O que não impede, é claro, que o rei tenha e manifeste a sua
fé, como qualquer um.
Os valores monárquicos são de outra ordem e congregam-se sobretudo nas
liberdades com responsabilidade, no respeito pelo património cultural
e natural, e na garantia de que os legítimos interesses da economia capitalista
e consumista não se imponham, sem freio, sobre uma sociedade massificada
e alienada. E fá-lo não de uma forma paternalista, à republicana, mas
promovendo e garantido uma sociedade diversa e adulta, capaz de fazer
opções. Ao devolver a soberania às famílias e às suas comunidades, a Monarquia
dota-as organicamente de mecanismos de defesa eficaz contra as centrais
de intoxicação pública.
E não se pode, em boa verdade, conduzir um novo processo civilizacional
sem a formação de verdadeiras elites, capazes de, pelo exemplo e pela
palavra, liderarem a mudança. Ora, também aqui a Monarquia se distingue,
por saber essa necessidade e poder enquadrar adequadamente a formação
dessas vanguardas.
A elite é obviamente formada pelos melhores, nas várias áreas do Pensamento,
da Arte, da Ciência, da Cultura, da Educação e das actividades funcionais
e económicas. São dados objectivos, mensuráveis até, que nada têm a ver
com a substância da sua liderança. O que a Monarquia quer não é definir
um tipo de elite, nem tão-pouco limitar-se a restaurar as elites tradicionais,
mas sim garantir a formação de verdadeiras elites. Assim como, e isso
é vital, dar-lhes a devida visibilidade pública, pois só assim podem ser
socialmente eficazes.
Há que ter a coragem de dizer que democracia não é a tirania dos estúpidos,
dos ignorantes, dos mal-educados, dos sem-carácter e dos burocratas. E
que só a promoção e desenvolvimento de verdadeiras elites, livres e diversas,
reconhecidas como tal, nos pode livrar das falsas elites republicanas
do jet-set, dos media, da política e dos partidos, e evitar
a total inversão de valores que cada vez mais caracteriza a decadente
sociedade ocidental.
Cultura
Não é por acaso que o Povo português é cada vez mais inculto. Não só por
aquilo que não aprende ou lhe ensinam mal, mas sobretudo pela forma como
desordena o seu território, como despreza o seu património cultural e
natural, enfim, pela forma como está na vida.
A Cultura, na sua acepção mais verdadeira, embora não pacífica, remete
para a vivência do conjunto dos conhecimentos e comportamentos civilizacionais.
Ao contrário do que querem os republicanos em geral, e os marxistas em
particular, a Cultura não remete para o indivíduo mas sim para as sociedades,
entendidas como conjuntos orgânicos de famílias e comunidades. Cultura
não é apenas a soma de conhecimentos, mas sobretudo a vivência autêntica
das pessoas em sociedade e no seu tempo; a forma de estarem na vida. Por
isso as culturas são nacionais e até regionais.
As três revoluções que Portugal sofreu num curto espaço de tempo histórico
(a liberal, a republicana e o 25 de Abril), independentemente dos seus
eventuais méritos, conduziram a uma tripla decapitação da sociedade, com
todas as consequências nefastas que isso comportou para o nível e refinamento
cultural do Povo português.
Por isso a massificação e a globalização tão facilmente estão a destruir
as indefesas culturas portuguesas, não tanto pelo fácil acesso à informação
e ao mundo, mas sim pela ideia, incutida por todas essas revoluções, sobretudo
pelos republicanos e pré-republicanos, de que as culturas portuguesas
são uma coisa menor e atávica, a evitar.
Hoje, as culturas portuguesas estão praticamente reduzidas a fenómenos
residuais e por vezes risíveis, do tipo folclórico. Os portugueses como
que têm vergonha das suas culturas. E, se nada de substantivo e essencial
distingue já as culturas portuguesas das restantes, o futuro próximo será
bem pior.
Pelo contrário, a Monarquia emana das culturas nacionais e só nelas verdadeiramente
tem razão de existir. Não é por isso difícil perceber que só a Monarquia,
sobretudo no actual contexto europeu e globalizante, pode verdadeiramente
promover e acarinhar as culturas portuguesas, preservando assim, contra
ventos e marés, a nossa identidade enquanto Povo e a nossa qualidade de
vida.
Transcendência
Dizem as repúblicas, e nisso foi pioneira a Constituição norte-americana,
que o Homem nasceu para ser feliz e procurar a felicidade. Ninguém tem
dúvidas de que a felicidade é uma coisa amável e desejável.
A questão não está em querermos ser felizes, atitude assaz saudável, mas
sim na obsessão pelo aqui e agora, já!, que domina o actual estado
de espírito das sociedades ocidentais. O hedonismo reinante, fruto directo
do pensamento republicano e da colonização cultural que os EUA infligiram
ao mundo em geral e à Europa em particular, é na verdade um beco sem saída,
que muito raramente conduz à felicidade. Sabe-se bem que a satisfação
das necessidades é um processo sem fim, pois mal uma necessidade é satisfeita
imediatamente surgem outras para satisfazer, num processo infindável e
irrealizável. Quem melhor aproveitou a doutrina reinante foram as empresas,
promovendo necessidades artificiais que conduziram ao consumismo desenfreado
e ao endividamento das famílias, num fenómeno demoníaco que traz tudo
menos a qualidade de vida e paz de espírito que podem, de facto, suscitar
a felicidade.
A Monarquia tem sobre esta questão uma posição completamente diferente,
pois toda a sua estrutura se baseia muito mais na valorização do Ser do
que do Ter, no serviço público, na renúncia voluntária e na autodisciplina;
numa palavra, na transcendência. Ao promover e premiar a elevação dos
espíritos e dos comportamentos, a Monarquia propõe afinal, a cada um de
nós, que encontremos a felicidade na procura de uma vida melhor e na honrosa
satisfação do serviço prestado e do trabalho bem feito.
A Honra, esse conceito transcendental tão esquecido e desprezado, é uma
pedra de toque da mundividência monárquica.
Europa
O processo de integração europeia é imparável e irreversível em tempo
útil. A Monarquia, ao contrário do que se possa pensar, não é incompatível
com este processo, como se comprova nas várias monarquias europeias. Pelo
contrário, a Monarquia é o principal garante de que as identidades e culturas
nacionais não se dissolvem no conjunto. E só isto é mais do que suficiente
para se ser monárquico. Contudo, há uma questão mais funda, que afinal
tem a ver com tudo o que ficou dito e que pode ser considerada como o
seu corolário, e portanto assume a categoria de um princípio.
A actual civilização europeia, fruto dos desvarios dos séculos XIX e XX,
do modelo estatal e da desleal competição mundial, entrou em colapso endógeno
e também assistimos hoje ao seu agoniante canto do cisne, incapaz de se
defender dos efeitos perniciosos da globalização e do capitalismo selvagem,
algum dele vindo, curiosamente, de países ainda ditos comunistas.
Muito tem de mudar para que a Europa reassuma a sua liderança civilizacional.
O que, por tudo o que já ficou exposto, só conseguirá pelo ideário monárquico.
Assim, dada a interdependência comunitária e o mundo globalizante em que
vivemos, não basta que os portugueses tenham uma Monarquia, como às actuais
monarquias europeias não bastou o facto de o serem para, de forma eficaz,
evitarem a disseminação dos princípios republicanos que minam as respectivas
sociedades.
É assim necessário construir e partilhar um movimento internacional que
vise o retorno à Monarquia de todos os povos europeus, de forma a revitalizar
a Europa como o farol civilizacional que lhe cumpre ser, criando no seu
seio um espaço onde as pessoas, as famílias e as comunidades, possam ser,
de forma autêntica e livre, o cadinho onde se forja um futuro melhor.
2007